22 dezembro 2008

Banqueiro?


Nos últimos dias, dediquei o meu tempo à leitura da biografia "João Rendeiro, Testemunho de um Banqueiro". Um livro polémico, mais pelo "timing" do seu lançamento - ao mesmo tempo que era conhecida a situação de insolvência do banco - do que pelo seu conteúdo. Trata-se de um diário de vida, dos tempos da faculdade aos primeiros passos no mercado de capitais e, em particular, à descrição da actividade do seu Banco Privado Português (BPP). Não tivesse o livro coincidido com a implosão do banco e o sua edição seria apenas mais um elemento da estratégia do BPP - muito ligada à exposição pública do seu fundador. Em particular desde 2005, ano em que Rendeiro passou de CEO (Administrador Executivo) para Chairman (Presidente) do BPP.

De acordo com os dados da página 158 do livro, entre 1995 e 2005, enquanto Rendeiro foi CEO, o balanço do BPP cresceu à média de 66% ao ano. Quanto ao produto bancário (margem financeira + comissões líquidas + lucros líquidos em operações financeiras), cresceu ao ritmo de 52% ao ano. Entre 2006 e 2007, o crescimento médio do balanço e do produto bancário foram de 31% e 19% ao ano, respectivamente. A rentabilidade média anual do BPP baixou 40%. E quanto à alavacangem do BPP, ou seja, a dimensão do balanço face aos seus capitais próprios, passou de 5,6 vezes para 7,9 - um aumento de 43%. Em suma, menos rentabilidade com mais risco. Uma combinação perigosa, à qual se juntariam mais tarde os investimentos com risco colocados fora do balanço ao abrigo de convenções contabilísticas internacionalmente aceites, mas de prudência discutível.

O modelo de negócio do BPP preconizava três eixos: "Private Banking", "Corporate Advisory" e "Private Equity". Contudo, a paixão de Rendeiro era o negócio da gestão de fundos que tinha iniciado na entidade percursora do BPP: a Gestifundos, que mais tarde haveria de vender ao Totta&Açores para depois constituir o Privado juntamente com novos accionistas (Balsemão, Berardo, Vaz Guedes, Saviotti, Serrenho, entre outros). O modo como, desde 2005, Rendeiro se desmultiplicou em eventos sociais e acções de filantropia leva-me a acreditar que, no momento em que cedeu o poder executivo do BPP, delegou também, pelo menos, parte do controlo sob a gestão dos investimentos realizados pelo banco em nome dos seus clientes.

Antes, João Rendeiro tinha sido um bom gestor de carteiras de investimento. Fez vários bons negócios: na Sonae, na Mundicenter, na Jerónimo Martins, entre outros. Embora, por vezes, a sua actuação estivesse no limiar de potenciais conflitos de interesses. O envolvimento do BPP na negociação de títulos das empresas detidas por alguns dos seus mais importantes accionistas é disso exemplo. Aconteceu assim na SIC de Balsemão, na Somague de Vaz Guedes e na CIN de Serrenho. Onde também fez bons negócios! De resto, um dos segredos de Rendeiro foi a sua rede de contactos, desde os tempos da sua admissão no Ministério da Indústria nos anos 70 ao período em que, no início do anos 80, juntamente com António Violante, ajudou a abrir a primeira representação da consultora McKinsey em Lisboa. Mais tarde, em 1986, criou a Gestifundos, sociedade na qual o Barclays participou com 25% do capital social. Rendeiro soube rodear-se dos parceiros ideais. E quase sempre em seu benefício.

A conclusão que retiro do livro é que, sem dúvida, Rendeiro foi vítima da sua estratégia de crescimento. Como gestor de carteiras, enquadrado numa óptica de boutique financeira como era a Gestifundos, Rendeiro estava nas suas sete quintas. Acutilante, informado e agressivo. Os seus clientes no Unifundo e no Capital Portugal ganharam imensamente. Como banqueiro, obrigado a diversificar áreas de negócio, a utilizar o balanço para alavancar investimentos e a adoptar tácticas comerciais pouco éticas, Rendeiro estava fora de jogo. Por isso, os sucessivos aumentos de capital que o BPP concretizou ao longo dos anos também não devem ter sido um grande negócio para os seus accionistas. E a sua recente queda menos ainda.

Enfim, apesar de discordar da ajuda entretanto concedida, estou convencido que o apoio estatal ao BPP se concretizará numa falência controlada. A dimensão dos problemas, de que as queixas conjuntas de clientes são exemplo, é de tal ordem que só um golpe de sorte - ou de magia - salvará o banco. É que, além da forma como venderam certas aplicações financeiras a clientes pouco sofisticados, a verdade é que seria necessária uma enorme recuperação dos mercados internacionais para que o valor de algumas dessas carteiras voltasse ao ponto de partida. Mas quanto a Rendeiro, depois do necessário período de nojo, estou certo de que voltaremos a vê-lo na ribalta. E, em certo sentido, ainda bem. Desde que não existam situações de crime, como ainda acredito ser o caso, todos merecem uma segunda oportunidade.

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