Os portugueses têm andado a viver ao longo dos últimos anos acima das suas possibilidades. Esta frase tem sido utilizada tantas vezes e em tantos contextos que quase se tornou um slogan político, e ninguém hoje lhe atribui muita importância. O meu propósito neste post é o de analisar se a afirmação é falsa ou verdadeira, e, no segundo caso, fundamentar a verdade.
A afirmação é, de facto, verdadeira. E o indicador que lhe confere veracidade é o défice da Balança de Transacções Correntes (BTC). A BTC regista do lado positivo (crédito) os bens e serviços que nós produzimos e vendemos ao estrangeiro (as chamadas exportações, como vinho, sapatos, prestações de serviços de transporte pela TAP, etc.) e ainda aquilo que recebemos do estrangeiro a título de rendimentos (lucros de empresas portuguesas operando no estrangeiro, juros de empréstimos feitos por instituições portuguesas a estrangeiros, mais as transferências unilaterias feitas a favor de Portugal, como as remessas dos nossos emigrantes no estrangeiro e as dádivas da União Europeia a Portugal). Do lado negativo (débito), registam-se os movimentos opostos: importações de bens e serviços do estrangeiro e rendimentos pagos ao estrangeiro.
No caso português, o lado negativo (débito) é maior que o positivo (crédito) e o défice, medido em percentagem do PIB, é estimado em 12% este ano - uma valor consideravelmente elevado pelos padrões dos economistas e, na zona euro, só excedido pelo da Grécia (16%). O défice significa que nós adquirimos ao estrangeiro mais do que aquilo que produzimos e vendemos para lá. É como se uma família decida persistentemente consumir acima dos seus rendimentos. Esta família vai ter de se endividar.
E assim também o país, que fica endividado perante o exterior. As estatísticas do endividamento externo português relativas a Junho de 2008 indicam que a dívida externa de Portugal é de 344 mil milhões de euros, cerca de 200% do PIB. Tal significa que os portugueses precisariam trabalhar dois anos, sem verem um cêntimo, só para pagarem aquilo que devem ao estrangeiro. Deste total, 90 (26%) é dívida do Estado, 189 (55%) é dívida dos Bancos e 65 (19%) é dívida de outras instituições (v.g., grandes empresas, como a PT, Galp, etc.).
Tem-se colocado muito ênfase na dívida do Estado ao estrangeiro. Porém, muito mais grave nas circunstâncias actuais é a dívida dos Bancos portugueses ao estrangeiro (normalmente, uma dívida perante bancos estrangeiros e outros investidores institucionais estrangeiros), a qual representa, de resto, o grosso do endividamento externo do país. Existe uma relação entre o défice da BTC e o endividamento externo dos bancos portugueses? A resposta é afirmativa e as consequências desse endividamento, nas condições actuais, podem tornar-se explosivas (cf. próximo post).
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