07 novembro 2008

uma cultura científica


As reacções que geralmente tenho às teses que apresento nos meus posts fazem-me quase sempre sorrir perante a possibilidade de algum dia existir em Portugal - ou, para o efeito, em qualquer país católico -, uma cultura científica.

Os portugueses nunca deram qualquer contribuição às ciências sociais, nem alguma vez o fizeram de forma significativa em relação às outras ciências. O mesmo vale para os outros povos católicos. A razão é que a sua cultura excessivamente individualista e particularista os leva a concentrarem-se nas excepções e nos casos particulares, não no caso geral.

As leis científicas descrevem casos gerais, são probabilísticas e a sua robustez é tanto maior quanto maior fôr a probabilidade a priori de se verificarem em relação a cada caso concreto. Mas elas não são válidas necessariamente para todos os casos particulatres, certamente que não para as excepções. E é aqui que reside a dificuldade dos povos de cultura católica.

Alguém afirma uma tese geral - vg., "as florestas são verdes". O português típico, em lugar de procurar saber se a generalidade das florestas são verdes ou não - confirmando ou infirmando a tese - vai, pelo contrário, procurar uma excepção - uma floresta branca no Alasca - e a partir daqui a discussão vai concentrar-se na floresta branca do Alasca em lugar das florestas verdes que constituem a regra.

Um economista cita a lei da procura - "a quantidade procurada de um bem e o seu preço preço variam em sentido inverso, ceteris paribus". O português típico vai logo dizer que tem um amigo que comprou dois Mercedes quando os preços aumentaram. A partir daqui a discussão centra-se no amigo dele, e não mais no comportamento da generalidade das pessoas.

Discute-se a privatização da educação com base no argumento de que a generalidade das famílias portuguesas pode pagar os estudos aos seus filhos, em lugar deles serem pagos pelo Estado. Imediatamente, aparecerá o argumento dos pobrezinhos: "Então, e os pobres?". Em lugar da discussão se centrar na generalidade dos portugueses - que podem pagar a educação dos seus filhos - e depois discutir-se um sistema de excepção para os pobres, ela passa agora a centrar-se excclusivamente nos pobres, que são a excepção, e acaba como começou: fica tudo na mesma.

Eu estou certo que mesmo a lei da gravidade teria tido dificuldade em ser formulada em Portugal: "Quando largamos um objecto da mão, ele cai para o chão". A objecção imediata seria: "Então e as penas de passarinho que, quando as largamos da mão, sobem para o ar?", e a discussão passaria a partir de agora a centrar-se nas penas de passarinho, e não mais na generalidade dos objectos, que são mais pesados que o ar.

Espera ciência nesta cultura? Eu não, a não ser de modo excepcional. A ciência pertence predominantemente à cultura protestante em que o diálogo alargado e aberto é um meio eficaz e poderoso para esclarecer a realidade. Pelo contrário, na cultura católica, o diálogo alargado e aberto é um meio para ofuscar a realidade, para promover a excepção em lugar da regra e para sobrepôr o acessório àquilo que é essencial.

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