01 novembro 2008

Portuguese military


Provavelmente uma das teses que tenho vindo a defender com mais insistência é a de que Portugal não tem tradição democrática - nunca a teve e, na minha opinião, nunca a terá - e tenho relacionado esta tese com a nossa cultura católica.

Esta noite o general Loureiro dos Santos foi à RTP2 esclarecer - na realidade, reiterar - aquilo que escreveu esta semana num artigo no Público e amanhã dará uma entrevista a este jornal sobre o mesmo tema, tornando o assunto o tema dominante da imprensa portuguesa. O caso não é para menos.

O general escreveu no Público que, à falta de resposta do governo a certas reivindicações relacionadas com remunerações e assistência na saúde, existia o risco de os militares mais jovens poderem "exagerar na forma como publicamente mostram o seu desagrado, fazendo alguns disparates, mas que poderão ter uma certa repercussão pública não só nacional como internacional e portanto ter também efeitos muito negativos para a nossa democracia avançada e madura". Este texto poderia ter sido escrito por qualquer general da América Latina, de Espanha ou até de Itália. Dificilmente seria escrito por um general dos EUA, Inglaterra, Canadá, Suécia, Alemanha, Noruega, Suíça, Finlândia ou Austrália. Trata-se de uma ameaça ao Estado: Ou satisfazem as nossas reivindicações ou há barulho.

A ironia é que os militares têm razão. São eles - não os partidos políticos ou a constituição, o governo ou a assembleia da república - os garantes da ordem política estabelecida, incluindo a ordem democrática, porque são eles que possuem as armas. Por isso, sob qualquer regime político, eles merecem um estatuto especial, que os distinga da generalidade dos outros funcionários do Estado. Acontece que a democracia portuguesa fez terraplanagem de todas as autoridades e de várias maneiras tem trivializado os militares. Eles ressentem essa perda de estatuto e de autoridade. Por exemplo, a forma como o Estado democrático tem tratado os ex-combatentes do Ultramar, e também os seus mortos, contrasta com o que fazem as democracias protestantes, por exemplo, a americana.

Na entrevista de hoje à RTP2 o general Loureiro dos Santos não se esqueceu de referir a degradação na qualidade do pessoal político com que se faz hoje a democracia em Portugal. Os militares de alta patente são pessoas altamente educadas, pessoas possuindo elevados padrões de exigência e qualidade na sua profissão, na minha opinião o grupo mais culto da sociedade portuguesa. A observação do general, reflectindo provavelmente outras de colegas de profissão, é sinal de que os militares estão descontentes com a democracia no país. Eu julgo que eles têm razão.

Somente por ironia o general se terá referido à nossa democracia como sendo avançada e madura. Na realidade, é exactamente o oposto disso. Numa democracia avançada e madura as reivindicações dos militares teriam sido tratadas dentro das instituições, e não teriam saído para a rua. Mas as nossas instituições democráticas não funcionam e só fazendo barulho existe a esperança de ver resolvidos os problemas. Agora que os militares fizeram barulho é certo que o governo vai resolver imediatamente as suas reivindicações.

Entretanto eu imagino já os títulos da imprensa britânica - Portuguese military threaten to overthrow democracy if their demands are not met - e a risada generalizada que nós produzimos lá fora.

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