09 novembro 2008

o carácter arrebatador


Do nosso leitor D. Costa, que possui relações profissionais há muitos anos com a Dinamarca, acerca da forma como as dinamarquesas, com quem jantou ontem, vêem Portugal e os portugueses:

Embora o povo dinamarquês seja considerado o povo mais latino da Escandinávia, falta às mulheres dinamarquesas o esplendor da Galisteu, ou talvez o carácter arrebatador de uma Zazie. Elas não são tão expansivas.
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Eu julgo que o mais interessante são mesmo os contrastes. A Dinamarca seria um país insuportável para um português. Creio mesmo que nesse país ele daria em louco. As razões são simples. Na prática 50% do rendimento de qualquer dinamarquês reverte para o Estado. O fisco não só confere as contas bancárias do contribuinte como preenche ele próprio a declaração de rendimentos do contribuinte com todos os dados das contas bancárias – transferências, depósitos, pagamentos via bancária, etc. O contribuinte apenas recebe os papéis, assina e confirma (seria assim bem mais difícil o desporto nacional do português: fugir ao fisco). Os dinamarqueses acham bastante estranho a fuga fiscal. Não é possível nem lhes parece que isso faça algum sentido. Se eu lhes explicar como se pode vender sem factura, riem-se, ficam pasmados e acham o português “um povo muito criativo…”. Ainda assim queixam-se que pagam demais, mas não fazem estardalhaço sobre o tema (uma atitude intolerável para um português. Quer paguemos ou não temos de fazer barulho).A economia informal lá existente é um fenómeno que existe nas margens da sociedade e por regra com origem nos emigrantes. Nos povos latinos e da população dos países de Leste . (nesse sentido a Dinamarca é mais uma vez um habitat bastante hostil para um latino…).
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A corrupção é outra coisa ainda mais estranha para um dinamarquês. Nem parecem compreender muito bem esse fenómeno. Quando se pergunta sobre isso olham-se entre eles, abanam a cabeça, ficam com um ar muito sério e parecem achar a pergunta meio estúpida. O prazo normal de pagamento na Escandinávia são 30 dias. Se uma empresa não cumprir fica com cadastro numa lista negra na internet. Perde o crédito rapidamente. Isso facilita os negócios e cria rigor no sistema. Ou seja: um trafulha tem poucas hipóteses de sobreviver a longo prazo. (em Portugal o principal devedor - o Estado – paga em média a 155 dias. O nosso primeiro-ministro anunciou que esse prazo baixou agora para os 147 dias. “Claramente estamos no bom caminho”, diz ele).
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Perder o emprego também não os preocupa minimamente. Facilmente se arranja emprego em um ou dois meses ou menos. Assim, por norma, pode-se despedir alguém apenas em 10 minutos. É normal pessoas de 40 anos terem 4 ou 5 experiências profissionais diferentes (com ironia eu diria que neste aspecto somos mais evoluídos: um português só abandona o emprego na hora do funeral. Conheço alguns que vivem há 40 anos a fazer a mesma coisa. Sempre falidos. Mas sempre obstinados…).
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As dinamarquesas acharam peculiar o facto de os portugueses se queixarem muito. E não me admira: queixam-se os patrões dos impostos, os funcionários do emprego, os professores queixam-se da escola, os militares da falta de dignidade com que são tratados, queixamo-nos do serviço público, da concorrência, da corrupção, etc. E o próprio Estado queixa-se que os portugueses não pagam os impostos a tempo e horas. Elas dizem que na Dinamarca ninguém se queixa normalmente. Nunca lhes passaria pela cabeça queixarem-se, por exemplo, de ganharem pouco.
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Admiram-se de os professores fazerem tanto barulho aqui. “Se não gostam do que fazem porque não mudam de emprego?”. Na Dinamarca as pessoas são incentivadas a criar o seu próprio emprego. Milhares deles trabalham em casa: a desenhar produtos, a vender marcas de chocolate, a vender roupa, etc. Tratam da sua vida, se não gostarem ou algo correr mal, mudam-se.
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Acharam divertido os portugueses conduzirem as crianças logo de manhã à escola. Na Dinamarca as crianças desde os 7 ou 8 anos vão sozinhas de bicicleta. As pessoas são “formatadas” para viverem independentes aos 18 ou 20 anos (imagine-se um português num país destes. Por cá há pessoas aos 35 anos a viver em casa da família e normalmente devem dinheiro aos pais).
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Há muitos outros detalhes cómicos. Mas comparando os dois “sistemas” (o modelo escandinavo contra o modelo latino) creio que em muitos aspectos, sem ironia, estamos bem melhor. Graças ao nosso atraso…

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