02 outubro 2008

atraso de vida


Em condições normais de mercado (que não são as actuais), e na ausência de inflação, uma pessoa que queira aplicar os seus capitais com segurança pode fazê-lo em títulos da dívida pública ou em depósitos a prazo, e obterá em geral um retorno anual de 3%. Esta é a chamada taxa de retorno de risco-nulo.

Outra pessoa que deseje obter um retorno mais elevado para os seus capitais, por exemplo 20%, só tem um caminho a seguir - incorrer em risco - investindo parte ou a totalidade do seu capital em activos com risco (acções, obrigações das empresas, produtos derivados como futuros e opções, etc.).

A prazo, e continuando a supôr condições normais de mercado, o primeiro investidor que é um investidor conservador, ganhará sempre 3% ao ano. O segundo investidor, que é um investidor propenso ao risco, ganhará num ano 25%, no seguinte perderá 15%, no terceiro perderá 5%, no quarto ganhará 38%, etc. Em média, o investidor propenso ao risco ganhará mais do que o investidor conservador. A razão é que a sociedade - o mercado - retribui a assumpção de riscos. Caso contrário ninguém arriscava.

Aquela situação que todos gostaríamos de ter, um alto retorno (20%) sem risco, representando o melhor dos dois mundos possíveis, essa é que não existe de certeza É uma impossibilidade prática. Quem quiser maior retorno tem de incorrer em maior risco; inversamente, quem incorrer em maior risco obterá, em geral, a prazo, maior retorno. Vale a expressão consagrada portuguesa, que resume o dilema: "Quem não arrisca não petisca".

A crise financeira que agora assola o mundo foi largamente devida aos bancos de investimento criarem e investirem em produtos financeiros inovadores e de alto risco, como os títulos representativos de empréstimos hipotecários. Este processo de inovação teve lugar prioritariamente nos EUA, foi depois imitado na Europa, e permitiu alargar a concessão de empréstimos hipotecários de uma forma extraordinária. Muitas pessoas, incluindo portugueses, que hoje têm casa não a teriam se não fosse esta inovação financeira.

O ponto importante é que os EUA, em comparação, por exemplo, com Portugal, possuem uma cultura financeira - e não apenas financeira - muito propensa ao risco. Quando as coisas correm bem, eles sobem mais alto que os outros; quando correm mal, a devastação é também maior que num país conservador como Portugal. Mas precisamente em virtude da sua propensão ao risco, a vida financeira nos EUA, do ponto de vista de um profissional, é uma actividade permanentemente desafiante e intelectualmente estimulante. Ao passo que em Portugal é um atraso de vida, como de resto toda a actividade profissional e intelectual em geral.

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