Provavelmente, não existe em Portugal corporação mais eficaz que a dos médicos. O corporativismo exerce-se logo à partida através das elevadíssimas médias de entrada na respectiva licenciatura. Contudo, ano após ano, não abrem, de forma significativa, novas vagas no ensino superior da Medicina. De resto, este curso é o único que, em Portugal, possui a notável distinção de estar vedado às universidades privadas. Diz-se que é para manter a qualidade do ensino, mas aos meus olhos é evidente que se trata de manter o "numerus clausus". Contudo, não é apenas no ensino que o peso da corporação se faz sentir. Esta domina o negócio associado ao sector.
Nas últimas semanas, tenho estado atento à forma como os serviços de Urgência remuneram os seus médicos. Soube do assunto por via informal, mas o assunto também já anda nos jornais. Então, o que se passa é isto. Todos os médicos residentes, para além do horário normal de trabalho, são obrigados por contrato a prestar umas tantas horas nos seus respectivos serviços de Urgência. No entanto, existem hospitais que mesmo assim têm falta de médicos na Urgência. A solução é contratar médicos externos, de outros hospitais ou "free-lancers", que são pagos à hora. E como vêm de fora, é natural que sejam pagos acima da tabela.
O problema é que a disparidade entre o salário por hora, contratualmente estabelecido, e aquele que é pago aos que vêm de fora para fazer umas horas extra é enorme! Duas e três vezes superiores. De acordo com a edição do JN da passada 2ª feira, na Grande Lisboa há anestesistas a ganhar 100 euros à hora por cada banco de 24 horas de urgência. 100 euros à hora!! Extraordinário. O circuito é o seguinte: os hospitais deficitários contratam empresas de serviços médicos que, por sua vez, contratam os médicos de cada especialidade para fazer as Urgências. Os de medicina interna são os mais requisitados. Trata-se de um negócio da China para os médicos contratados e, presumo, para as empresas que os contratam. Só não entendo a lógica das administrações hospitalares.
O salário num hospital público de um médico especialista anda na casa dos 2500 euros por mês. Ora, este é o valor que, no actual esquema, qualquer médico pode fazer se fizer pelo menos 2 urgências extra por mês fora do seu hospital de residência. Aliás, os médicos que se dedicarem exclusivamente a este negócio, abdicando da sua residência no hospital público, podem fazer fortunas por mês só com Urgências.
Mas, voltando às administrações hospitalares, não seria mais vantajosa a contratação de mais residentes para colmatar o défice de recursos humanos nas suas Urgências? Parece-me evidente que sim. Portanto, para concluir, deixo-vos uma pequena provocação: quem serão os sócios das empresas que recrutam estes médicos para as Urgências externas?
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