20 setembro 2008

anti-comuna sobre a crise financeira


A realidade é esta. A maioria dos que defendem a ordem espontânea não compreendem mesmo como funciona mesmo o mercado nem tão pouco fazem ideia do que ele é mesmo capaz. Depois, para cúmulo da desgraça, acreditam sinceramente na boa "moral" e capacidade de decisão de todos os agentes do mercado. O que lhes faz acreditar que o mercado tudo resolve sem custos nem dor. Esquecendo-se eles que as massas em ebulição, sobretudo lidando com a ganância, a ambição e a cobiça geram manias e pânicos consequentes. As massas humanas não tomam decisões racionais quando envolvidas em processos de decisão que envolvam determinado tipo de escolhas.

Não pretendo dizer que os que estão de fora do sistema sejam incompetentes a analisar os processos envolvidos no mercado só porque estão de fora. Pelo contrário, por vezes até conseguem compreender melhor determinados processos e até evoluções se estiverem ausentes do processo. Mas que me custa ver determinadas profissões de fé nos mecanismos de mercado como se fosse uma fé... Custa. É uma espécie de religião mas diferente. E então quando invocam papas e tudo, é que me deixa desconcertado.

O que me parece é que existem muitas assumpções para determinadas profissões de fé no mercado de livre e espontânea vontade que são erradas, na minha opinião. A começar pela tentativa de compreensão do fenómeno do crescimento inerente ao incremento da produtividade, fruto das inovações, novas técnicas, etc. É que qualquer crescimento da produtividade e/ou do produto económico gera em si bolhas. Estas bolhas devem e podem estoirar, já que incorporam no seu estoiro a correcção dos, digamos, desequilibrios gerados durante a fase do optimismo.

Mas mesmo aqueles que acreditam que são saudaveis estas implosões das bolhas centram-se demasiado no ciclo económico dos negócios quando temos mais que esse ciclo, importante sem dúvida, mas até nem o mais importante. É que os demais ciclos podem trazer consequências gravosas de destruição de capital e quedas na produtividade se mal compreendidos e até geridas.

Outro dos postulados errados, herdados do pensamento keynesiano, é a crença num equilibrio geral permanente. Na verdade num mercado aberto e livre nunca existe um equilibrio permanente. Ele está sempre em evolução e move-se mais de acordo com o que o Kaldor defendia e bem. E estas mudanças podem ser violentas já que o processo de crescimento, mesmo que natural, tem carácter geométrico e que interrompido também gera um crescimento negativo também geométrico, provocando convulsões no mercado abruptas e sob ambientes dominados pelo caos.

É evidente que se vivermos sob uma permanente criação de dinheiro do nada, as amplitudes do crescimento da massa monetária estão artificialmente a exponenciar a procura agregada, que temporariamente eleva a sensação de bem-estar. Mas os seus custos, tarde ou cedo, gerarão as sementes do seu colapso. E quanto maior o crescimento artificial induzido pela criação do dinheiro do nada maior o colapso futuro, algures no tempo. Porque é impossível sustentar um crescimento da dívida com os actuais crescimentos da produtividade e, tarde ou cedo, terá que ser gerada dívida para pagar dívida e nessa altura o colapso está próximo ou já em funcionamento.

Mas por outro lado, é errado pensar que os agentes económicos são sempre excelentes a tomar decisões. Tanto não o são que geram demasiadas vezes bolhas. E geram tantas bolhas e perigosas quanto maior for o grau de liberdade na esfera de acção de alguns agentes. Os capitalistas não estão no mercado para gerar bem-estar. Estão para acumular capital e o concentrar. E quanto mais eficientes forem a rentabilizar o seu capital mais depressa criarão monopólios e oligopólios, prejudiciais ao chamado bem-estar comum. Logo, a sociedade deve ter regras bem definidas no sentido de limitar concentrações de capital, dominios de mercado, estabelecer regras tanto quanto possível justas e iguais para todos e fazer funcionar o mercado eficazmente, e melhor.

Os mercados devem ser livres. Abertos e concorrenciais. Mas os seus agentes devem ser vigiados. E até limitados. Porquê? Porque, durante processos de crescimento, eles assumem riscos demasiados. É verdade que faz parte dos capitalistas assumirem riscos. E serem recompensados pelo bom êxito da gestão desse risco. Só que quando assumem demasiados riscos eles põem terceiros também em risco, que estes não o desejam. E se terceiros são afectados pelo risco gerado por alguns capitalistas, seja risco sistémico ou até sectorial, cabe à sociedade criar mecanismos para que o riscos dos agentes económicos não se tornem demasiado grandes que afectem terceiros ou o sistema como um todo.

Mas infelizmente poucos entendem esta premissa importante. Compartimentar risco de molde a que uma das partes do sistema ao colapsar não crie ondas de propagação de risco sistémico a terceiros involuntárias. Mas explicar isto aos que estão de fora dos mercados? É díficil. Porque não entendem do que estamos a falar e até costumam ser arrogantes, como se conhecessem muito bem o mercado. Os que se negavam a aceitar que o risco existente dentro dos balanços da banca era até ignorado pelos gestores bancários, são agora os que batem palmas a intervenções do governo, para salvarem a pele dos banqueiros.Mais. Esta crise que vivemos é elucidativa. Mostra que os agentes económicos, quando assumem determinados riscos, nem eles próprios têm consciência do risco real que assumem. O que mostra que as decisões dos agentes do mercado não são tão racionais e excelentes como muito ignorante prega aos quatro ventos, como fossem leis escritas em tábuas. É o que faz ler bíblias e postulados de determinados "papas" mas sem um pensamento crítico sobre aquilo que lêem. São os copistas. Debitam as cartilhas que decoraram do que lêem. E depois até desejam, de um modo corporativo, tipo agremiação medieval, definir quem é liberal e quem o não é.

Voltando ao início. Falta a muitos defensores dos mercados livres a capacidade para entenderem mesmo como funcionam os mercados. Não o sabem e pensam que só porque decoraram alguns livros e analisaram alguns gráficos simples lá publicados, do tal equilibrio entre oferta e procura, que gera o famoso preço, e voilá: Temos doutores especializados em mercados livres. Sejam financeiros ou não. Que se há-de fazer?

anti-comuna (em comentário ao post anterior)

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