08 agosto 2008

comer e calar

Num comentário a este post, no qual eu defendia que a evolução do actual regime político vai no sentido do endurecimento do estado na sua relação com os cidadãos, o Ricardo Arroja escreveu o seguinte comentário: "o meu sentimento é que os actuais protagonistas políticos estão a dar as últimas e serão encostados pelo povão - de que forma é que já não sei! E, entre o povão, surgirá o próximo líder que conduzirá o regime actual para um sistema mais presidencialista - assim ao jeito da França". Discordo dos pressupostos e da conclusão do Ricardo. E passo a expor as minhas razões.

Não penso, em primeiro lugar, que os protagonistas da actual República estejam "a dar as últimas", Nunca os vi, de resto, tão viçosos, actuantes, intervenientes e tão cheios de poder como agora. E sem reacção que se veja do tal “povão”, a não ser para pedir mais protagonismo, mais acção, mais intervenção. É necessário ter em conta, caro Ricardo, que a mentalidade portuguesa é eminentemente, quase diria geneticamente, estatista. Décadas e décadas (séculos?) de estatismo e de socialismo convenceram as pessoas que não são elas quem têm de resolver os seus problemas. Alguém – o estado e o governo – existem para nos desresponsabilizar da condução das nossas precárias existências. Logo, se as coisas vão mal, o governo que as resolva. Diga-se, em abono da verdade, que essa mentalidade nos foi sendo incutida por quem governa este país, desde há muito, As últimas décadas de intervencionismo hard apenas refinaram a coisa.

E também não acredito em líderes nascidos do povo. Nos últimos duzentos anos não me lembro de nenhum condotieri nascido das massas. Os protagonistas da história constitucional portuguesa foram todos, sem excepção, cuidadosamente gerados em laboratório, pelas elites, pela burguesia, pelo exército ou pela Igreja. Nunca nenhum deles saiu do povo, como emanação clara de um sentimento de revolta contra o status quo.

Também não creio no presidencialismo em Portugal. Nem na Iª República, quando os ventos da história lhe seriam favoráveis, o regime deixou de ser parlamentari. Como o foi ao longo de quase toda a monarquia constitucional e voltou a ser na IIIª República, quando as forças armadas (à esquerda e à direita) o tentaram presidencializar.

Por último, a União Europeia. Enquanto ela durar – e não duvides que está aí para isso -, a miséria nacional será q.b.. Isto é, quanto baste para pagar a nossa inépcia e a nossa incompetência, mas sem envergonhar uma Europa que quer dar de si ao Mundo uma imagem de prosperidade e de modernidade. Passaremos a viver pior, sem dúvida, mas continuará a haver o mínimo indispensável a uma sobrevivência envergonhada, mas minimamente decente para os padrões europeus.

O meu ponto é, pois, outro e penso que a realidade infelizmente já o confirma: a impotência do governo para resolver certas carências, leva-o a enrijecer as regras do jogo, a ampliar a sua intervenção (alegando sempre as melhores razões) e a maltratar os cidadãos. Estes, enquanto continuarem a ter o essencial, permanecerão quietos. Não será, obviamente, uma ditadura no sentido clássico da supressão total dos direitos fundamentais, mas uma espécie de "estado de excepção" permanente, onde o governo vai abusando de todos nós, "a Bem da Nação", claro está. É sempre "a Bem da Nação", como sabes. Portanto, nada de particularmente novo nem desconhecido para os portugueses. É, apenas, o regresso ao que estamos habituados historicamente habituados: a comer e a calar.

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