07 abril 2008

Uma espécie de reforma (*)


Nos últimos meses muito se tem discutido acerca das medidas preventivas e reactivas dos bancos centrais. Neste aspecto, os dois bancos centrais mais poderosos do mundo – a Reserva Federal (FED) e o Banco Central Europeu (BCE) – têm tido actuações bastante diferentes. Só o tempo dirá qual é a melhor resposta – se a mais activa (FED) ou a outra mais passiva (BCE). Porém, dificilmente existirão consensos porque também não existe concórdia em redor de qual é o mal menor associado à política monetária de ambos – se é o risco da estagflação de longo prazo (FED) ou a possibilidade da deflação de curto prazo (BCE). Esta crise do crédito hipotecário tem origens estruturais, por isso, nenhuma abordagem será eficaz para endereçar a questão de fundo. Não existem métodos preparados para lidar com uma crise desta natureza. As políticas monetárias agora postas em prática procuram apenas remediar a situação. Só a reforma das instituições de supervisão e medidas que disciplinem a actividade bancária permitirão resolver os problemas que hoje se colocam ao sistema financeiro mundial.

Nas últimas semanas, quer o FED quer o BCE têm estado fortemente envolvidos na resolução dos problemas de curto prazo. Como diz o provérbio, “em tempo de guerra não se limpam armas”. Contudo, mais cedo ou mais tarde, começaremos a ouvir falar da reforma dos agentes que participam no mercado. Nesta rubrica, tenho repetido até à exaustão que esta crise tem origem nos Estados Unidos e que tanto o FED como os bancos são igualmente culpados. Os consumidores também – embora em menor grau. Porque não se pode negar aos cidadãos a ambição de querer uma vida melhor e o sonho é tornado possível através da concessão de crédito. A falta de literacia financeira apenas compõe o ramalhete. Na minha opinião, só existe uma forma de disciplinar a tomada de crédito: actuar na fonte, sobre os bancos que o concedem, aumentando os rácios de solvabilidade de modo a restringir a alavancagem do sector. Infelizmente, não é esta a opinião dominante.

Em matéria de mudança, já estamos a receber as primeiras notícias. No momento em que escrevo este artigo, o departamento de Tesouro norte-americano acaba de anunciar a maior reforma da regulação do seu sistema financeiro desde a Grande Depressão de 1929. O decreto lei, que terá de ser aprovado pelo Congresso, defende mais poder para o FED, concede-lhe a responsabilidade de recolher e divulgar informação referente ao sector financeiro. E dá-lhe o poder para criar leis financeiras e actuar como polícia em simultâneo. Defende a eliminação de algumas entidades de supervisão e a fusão de outras, em particular a junção da SEC e do CFTC. Preconiza a criação de uma agência cujo objectivo será avaliar a bondade das práticas empresariais e a defesa dos direitos dos consumidores. E introduz uma agência de supervisão das actividades relacionadas com o crédito hipotecário e um departamento dentro do Tesouro que supervisionará apenas o sector dos seguros.

A primeira observação que se faz à reforma agora anunciada é a seguinte: o sistema de regulação nos Estados Unidos permanecerá complexo, embora menos redundante. A segunda é que as mudanças não vão reduzir a burocracia de forma significativa – na verdade, parece que se está a caminhar na direcção do paternalismo público no domínio financeiro. Terceiro, desgraçadamente, não se vislumbra qualquer tentativa de atacar o problema de base: a alavancagem do sector bancário. Quarto, o documento hoje apresentado carece de uma entidade crucial ao bom funcionamento do sistema financeiro, ou seja, algo semelhante ao Eurostat – uma agência de informação financeira, credível e independente do poder político norte-americano. Na reforma anunciada, é o FED que também açambarcará esta tarefa. Contudo, o problema é que nos dias que correm são muitos aqueles que não acreditam na verdade dos números do FED. O dólar em queda simboliza, em parte, essa descrença. E, infelizmente, estas mudanças organizacionais pouco contribuem para a eliminar.

(*) publicado no semanário “Vida Económica” a 4 de Abril 2008

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