22 abril 2008

Bruxelas (*)


Esta é uma crónica diferente do habitual. Desta vez, não escreverei sobre mercados nem sobre bancos centrais. O objectivo deste texto é dar-vos conta do que tive oportunidade de observar no decurso de uma recente visita de estudo a Bruxelas. Nos últimos meses, frequentei um curso do Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais (IESF), que consistiu num conjunto alargado de conferências com diversas personalidades de renome. Por ali passaram nomes do meio empresarial como Belmiro de Azevedo, Américo Amorim ou Manuel Violas. Também pude assistir a palestras de universitários entre os quais Braga de Macedo, Miguel Beleza e Adriano Moreira. E, por fim, outras personalidades como D. Manuel Clemente, o General Loureiro dos Santos ou o ex-ministro Nuno Morais Sarmento. O balanço que faço do programa é de que foi excelente, ecléctico, e terminou com uma viagem a Bruxelas para conhecer os bastidores do Parlamento e da Comissão Europeia. Contudo, regressei preocupado.

Em Bruxelas, o grupo de alunos teve várias reuniões de trabalho. Destaco um encontro com o representante de um grupo de lóbi empresarial vocacionado para pequenas e médias empresas europeias. E as sessões realizadas com três dedicados eurodeputados portugueses – Elisa Ferreira, Ilda Figueiredo e José Ribeiro e Castro. Também estavam previstas audiências com Miguel Portas e Carlos Coelho mas, infelizmente, os dois cancelaram à última hora. A primeira impressão que se tem de Bruxelas é a de que ali se vive bem. Apesar do clima, as pessoas circulam no exterior e não se sente grande stress. A partir das seis da tarde, vê-se muita gente a fazer desporto na rua. A segunda observação é a de que, nesta cidade, quem quer trabalhar tem amplas oportunidades para o fazer e, também, que quem não o quer fazer não sofre muita pressão para se mexer. Em Bruxelas, dada a distância dos actores que avaliam o desempenho dos 785 deputados – os cidadãos que os elegem – trabalhar ou não é, largamente, uma questão pessoal e de consciência.

As razões que justificam o meu regresso angustiado são duas. Primeiro, o orçamento adstrito ao funcionamento da máquina em Bruxelas é de 7 mil milhões de euros. Pelo que observei na cidade receio que, apesar da boa vontade de muitos deputados, a taxa de desperdício seja elevada. Não compreendo que existam 785 deputados nem sei como é possível discutir soluções de compromisso com este número de participantes. Também não me parece razoável que cada deputado possa ter dois assistentes e que estes possuam igualmente os seus ajudantes, por mais diligentes que todos eles sejam. E, por fim, considero inaceitável que muitos deputados decidam dar início aos seus fins de semana à quinta feira à tarde. Segundo, e mais importante, as iniciativas e políticas discutidas em Bruxelas não chegam a Portugal, em particular aos sectores de actividade e às populações que mais tarde serão directamente afectadas.

Neste momento, debatem-se importantes matérias no domínio da certificação ambiental de produtos químicos. Que vão ter impacto directo sobre algumas das mais importantes indústrias nacionais. Por exemplo, na têxtil e no mobiliário, que utilizam componentes químicas com elevada intensidade. A questão que se coloca é saber se esta informação chega, em tempo útil, aos empresários portugueses do sector e às cidades que mais dependem dos empregos gerados por estas indústrias. Duvido. É, por isso, que o trabalho dos deputados em Bruxelas é encarado pelos portugueses como irrelevante. Os nossos representantes deveriam servir de ligação entre a burocracia e o que se passa no terreno. Deveriam deslocar-se a cidades como Famalicão, Paredes ou Paços de Ferreira. E dialogar com os agentes locais. Ao mesmo tempo, as associações empresariais também deveriam ter representação permanente em Bruxelas para fazerem chegar aos burocratas as suas preocupações. Através desta reciprocidade, o trabalho dos deputados seria mais eficaz e mais apreciado. E os portugueses retirariam maior proveito das iniciativas comunitárias. Porque, é preciso não esquecer, dentro em breve Portugal será, a exemplo de muitos outros países, um contribuinte líquido da União Europeia.

(*): Publicado no semanário “Vida Económica” a 18 de Abril 2008

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