02 março 2008

PPR Público (*)


Nos últimos tempos, o Estado voltou em força ao sistema capitalista. Não se trata de um fenómeno português. É, de facto, uma tendência mundial. Contudo, em Portugal, dada a nossa tradicional costela socialista e porque o Estado sempre foi um actor fortemente interveniente no destino da economia nacional, o fenómeno sente-se de forma mais acentuada. No sector financeiro, a última invenção do Estado português é a criação do chamado PPR Público. Trata-se de uma nova aplicação financeira que permitirá ao contribuinte dedicar parte do seu salário, entre 2 a 6%, para um plano complementar de Segurança Social. O objectivo associado à introdução deste novo PPR Público é aumentar a poupança individual, de modo a contrabalançar a redução esperada nas reformas decorrentes do sistema tradicional de Segurança Social – e que, no jargão técnico do Estado, se designa por “novo factor de sustentabilidade”.

O PPR Público vai de encontro ao que, no mundo ocidental desenvolvido, é normalmente oferecido pelas empresas privadas. Nos países mais avançados, até há uns anos atrás, o pacote de remunerações de qualquer funcionário era composto por três componentes: um salário, um seguro de saúde e um plano de pensões – todas asseguradas pela entidade empregadora. Na sequência da recessão norte-americana que se seguiu ao rebentar da bolha especulativa do Nasdaq, as multinacionais – que, geralmente, marcam as tendências mundiais – começaram a diminuir os benefícios não associados aos salários. Assim, os seguros de saúde foram a componente de remuneração que mais sofreu. Em parte, devido à subida dos prémios de seguros que, nos últimos anos, têm aumentado a ritmos muito superiores à taxa de inflação. E, acima de tudo, porque era o mais fácil de cortar. A seguir aos seguros de saúde, vieram os planos de pensões.

No mundo ocidental os planos de pensões, ou planos complementares de Segurança Social, são em geral assegurados pela entidade empregadora. Ou seja, por privados. Na América, estes planos de pensões são chamados de “401k’s”. Trata-se de uma forma do funcionário descontar para a sua reforma, com regularidade definida (o normal é ser mensal), a partir do seu próprio salário. O habitual é o funcionário descontar qualquer coisa até 5% do seu vencimento. A empresa faz o mesmo, numa proporção semelhante do salário do seu colaborador. Existe também um benefício fiscal para a empresa porque, em geral, a fiscalidade associada a este tipo de aplicações é mais favorável que aquela que vigora em cenários alternativos – não é o caso em Portugal, onde os seguros de capitalização têm sido, até agora, mais vantajosos que os planos de pensões. Por fim, existe ainda uma terceira vantagem, porventura a mais relevante, e que é a chamada portabilidade do plano de pensões. Ou seja, se ocorrer uma rescisão contratual entre o colaborador e a empresa, cada um fica com a parte que contribuiu para o plano.

Nos últimos anos, tem aumentado o escrutínio sobre a forma como se gerem estes planos de pensões. Antigamente, era frequente encontrarem-se planos de pensões constituídos quase que exclusivamente por acções da própria empresa. Foi o que aconteceu na Enron, onde os funcionários, não só perderam os seus empregos, como também os valores que tinham descontado para o plano de pensões da empresa. Hoje em dia, as regras associadas à gestão dos planos de pensões estão muito próximas do que se faz num PPR individual. Uma parte em acções, outra em depósitos e obrigações, alguma coisa em imobiliário e um tanto em veículos não convencionais tais como “hedge funds” ou fundos de capital de risco. O PPR Público, a ser introduzido pelo Estado português, é uma réplica dos planos de pensões existentes no estrangeiro e que, esporadicamente, também são oferecidos por empresas portuguesas aos seus funcionários. Contudo, para o contribuinte, o PPR Público apresenta a seguinte vantagem: é do Estado, por isso, não corre o risco de desaparecer e dificilmente deixará de garantir alguma rendibilidade mínima ao seu subscritor – ainda que residual. E, para o Estado, fica assegurado o maior benefício associado a qualquer actividade bancária: a massa crítica. Porque, a não ser que emigre, o contribuinte, dificilmente, exercerá a portabilidade do seu plano, o que garantirá aos cofres públicos um determinado montante sob gestão – para sempre. Sem dúvida, um bom negócio.


(*) publicado no semanário "Vida Económica" a 29 Fev 2008

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