10 fevereiro 2008

Fundos soberanos (*)


Nas últimas semanas, os fundos soberanos saltaram para as primeiras páginas dos jornais financeiros. São fundos capitalizados e detidos por um único investidor: o Estado. Na prática, é o instrumento que permite operacionalizar o chamado capitalismo de Estado. E, em geral, estão associados a países governados por regimes não democráticos. É o caso da China e dos Emirados Árabes Unidos. A excepção, entre os fundos soberanos de maior dimensão, é a cidade Estado de Singapura que, apesar de tudo, também não é um “case study” no que se refere a democracia. Existe depois uma outra modalidade mais tosca – concorrente dos fundos soberanos na forma – mas que, na prática, representa o mesmo capitalismo de Estado: as empresas bandeira associadas ao regime no poder. É o caso da angolana Sonangol, da russa Gazprom ou da venezuelana PVDSA. Em suma, a intervenção estatal na economia está de regresso.

O mundo de hoje, global e altamente competitivo, exige massa crítica. O outrora popular “small is beautiful” está definitivamente ultrapassado. E a concorrência dentro de fronteiras cedeu lugar à competição internacional. Ora, na minha opinião, os fundos soberanos são a resposta do poder político à ausência de empresas nacionais com escala competitiva no xadrez mundial. É que, com excepção dos países ocidentais e mais alguns emergentes, são poucas as economias que conseguem “produzir” gigantes privados. A alternativa é recorrer ao capitalismo de Estado. Sobretudo nas economias centralizadas, com recursos financeiros, e que decorrem de regimes ditatoriais. Que, na maioria das situações, são países ricos em recursos naturais, em particular, nos combustíveis e minérios. Os excedentes gerados na produção e comercialização dos recursos são depois canalizados para os fundos soberanos ou para os capitais sociais das empresas bandeira.

No final de 2007, os fundos soberanos foram preciosos na resolução dos problemas financeiros associados aos bancos de investimento norte-americanos afectados pelo “subprime”. Após as amortizações incorridas, os bancos socorreram-se destes fundos, em particular aqueles provenientes de países “amigos” da América, para resolver questões de solvabilidade. No total, os fundos soberanos de Singapura, da China, do Kuwait e da Arábia Saudita injectaram mais de 40 mil milhões de dólares em bancos norte-americanos a troco de participações accionistas. Quanto às empresas bandeira, a angolana Sonangol é actualmente um participante activo na economia portuguesa, com importantes posições no BCP e na Galp. De resto, a Galp é também o denominador comum na relação que a russa Gazprom e a venezuelana PVDSA poderão vir a ter com Portugal. A Gazprom deverá entrar no capital social da Galp. A PVDSA deverá tornar-se fornecedora da Galp e, provavelmente, sócia obrigatória de empresas portuguesas que queiram exportar para a Venezuela.

Os críticos do capitalismo de Estado argumentam que: 1) se trata de concorrência desleal porque o Estado possui recursos, teoricamente, ilimitados e; 2) incentiva as relações empresariais com regimes pouco transparentes. A meu ver, ambas as observações são razoáveis e meritórias. Contudo, a “real politik” associada ao mundo dos negócios faz com que o capitalismo de Estado não possa ser desprezado. É que estes fundos soberanos e empresas bandeira possuem o que muitos países e empresas não têm: dinheiro fresco. E, na prática, apenas representam a forma que muitos países encontraram para exercer músculo financeiro enquanto os seus membros ganham robustez. Infelizmente, também são estas as estruturas que muitos crápulas utilizam para enriquecer. Por isso, os países e empresas que acolhem investimentos provenientes destes veículos têm de se certificar que, ao darem luz verde aos estrangeiros, não estão a sacrificar a sua independência e soberania nacional. Apesar de toda a arbitrariedade que essa classificação possa suscitar.

(*) publicado no semanário "Vida Económica" a 8 de Fevereiro 2008

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