16 janeiro 2008

bcp: uma vitória do capitalismo português

Ao invés do que por aí se diz, os resultados da Assembleia Geral, de hoje, do BCP são uma inequívoca vitória do capitalismo português. Do magro, parco e humilde capitalismo português, é certo, mas exactamente daquele que temos. Tentarei explicar.

Ao fim de quase duas décadas de vida, durante as quais o maior banco privado português seguiu um modelo de gestão em que os grandes accionistas não eram os administradores desse capital, nem tão-pouco os estrategas do banco, foi necessário encontrar um herdeiro do Presidente e fundador, o Engª Jardim Gonçalves, em razão da sua voluntária saída.

Pacientemente, os accionistas aceitaram que Jardim Gonçalves nomeasse como seu herdeiro alguém que não tinha sequer assento no Conselho de Administração, nem era um banqueiro de profissão. Pacientemente, os accionistas ratificaram uma escolha que, contra tudo e contra todos (sobretudo contra a opinião dos membros do Conselho de Administração em exercício), foi inequivocamente uma péssima escolha do Presidente do banco, mas que respeitaram em homenagem à sua pessoa.

Pouco tempo depois, as evidências de uma má escolha, que fora confessional em vez de ter sido profissional, vieram ao de cima. A guerra civil instalou-se no banco, entre fundador e delfim, e entre os membros do Conselho de Administração e alguns accionistas de referência. Note-se que não propriamente entre os grandes accionistas, que continuaram à espera que alguém lhes oferecesse uma solução. A situação do banco agravou-se e, em consequência, o valor do capital accionista começou a diminuir. As «notícias» invadiram os media, as coscuvelhices substituiram o que devia ser a normal vida de uma instituição bancária e, ainda assim, os grandes accionistas confiaram no seu fundador e voltaram a aceitar a solução que ele lhes indicou para a Administração, na pessoa do Dr. Filipe Pinhal.

Acontece que Pinhal era o indiscutível e natural herdeiro de Jardim. Mas era-o há três anos e não três anos depois de ensaiada uma primeira solução fracassada, por aquele que agora lhe pretendia transmitir o poder. Ao aceitar receber o BCP das mãos de Jardim Gonçalves, depois deste o ter entregue primeiro a Paulo Teixeira Pinto, Filipe Pinhal vulnerabilizou-se, viu a sua credibilidade afectada, e permitiu que lhe perdessem o respeito.

Daí até aos «escândalos» mediáticos sobre o banco, que um dia, quem sabe, alguém neste país dirá se corresponderam ou não a factos graves, foi um pequeno passo. Um passo muito natural no país em que vivemos. As pessoas vulneráveis tornam vulneráveis as instituições, e o BCP, nestas circunstâncias, acabaria por ser necessariamente opado por alguém com poder efectivo.

Ora, num país onde praticamente não há capital financeiro, e depois do banco, por vontade expressa do Conselho de Administração em exercício, ter declinado a hipótese de fusão com o BPI, quem senão o Estado teria arcaboiço para deitar mãos a semelhante obra? O que o Estado ofereceu aos grandes accionistas do banco foi, então, estabilidade, segurança e, até, no limite, uma almofada financeira se ela vier a ser necessária. Deu-lhes um gestor profissional para lhes tratar das contas, um comissário político para lhes garantir o acesso directo a quem manda, consolidou novos accionistas de peso, como a Sonangol, e até deixou cair o agitador de circunstância, obrigando-o a recuar no alargamento de um órgão onde colocaria alguns compagnons de route e não o apoiando massivamente ao órgão a que se candidatara, cuja eleição, de resto, acabou pateticamente por perder. O que poderiam pedir mais os accionistas do banco? Nada. Foi isso que fizeram e, muito justamente, deram a vitória a quem os prometeu salvar.

No meio disto, a lista de Miguel Cadilhe, em quem por simpatia pessoal votei, foi esmagada com uns míseros 2,2% de votos, apesar de nela terem votado quase 600 accionistas presentes, contra pouco mais do que 200 com mais de 97% dos votos. O discurso de Cadilhe agradou às pessoas, mas não aos accionistas donos do banco. Numa óptica de interesse accionista, Cadilhe tinha infinitamente menos a oferecer-lhes do que a lista vencedora. Por isso, a escolha dos grandes accionistas foi absolutamente racional. Aliás, o discurso de Cadilhe (excelente, por sinal) foi inteiramente político e nada empresarial. Acontece que o BCP é um banco e não um partido político e que o discurso de Cadilhe era bem mais apropriado noutra paragens, por exemplo, no PSD, do que na Assembleia Geral do BCP. Cadilhe faz falta ao país, Cadilhe faz falta ao PSD, mas Cadilhe não faz falta, neste momento pelo menos, ao Banco Comercial Português. Foram estas duas coisas que lhe disseram, hoje, cada uma delas respectivamente, os grandes e os pequenos accionistas, na Assembleia Geral onde ele corajosamente apresentou a sua candidatura. Se nela vigorasse (que felizmente não vigora) o princípio de «um homem, um voto», teria tido uma vitória esmagadora. Ele que retire de tudo isto as conclusões que entender e que faça o que achar melhor.

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