24 novembro 2007

A menos


Os EUA posuem o maior défice de transacções correntes do mundo ($792 biliões; 6.8% do PIB). A Espanha é segundo ($83 bl.; 7.8% do PIB) e Portugal é nono no mundo ($17 bl; 9.8% do PIB). Na União Europeia a 27, Portugal - exceptuando Malta - é o país com o maior défice em percentagem do PIB, e a Espanha segue próxima.

Um país, como os EUA, que emite uma moeda que serve de reserva internacional, pode financiar pela emissão monetária um défice de transacções correntes significativo durante muitos anos até ao dia em que, em virtude do abuso, verá a sua moeda começar a desvalorizar, como tem sucedido ultimamente ao dólar.

Mas como poderá um país como Portugal, ou mesmo a Espanha, financiar um tal défice que, em termos do PIB, é ainda mais significativo, se ele não emite moeda? Se existisse o escudo, ele já teria desvalorizado. A desvalorização corrigiria o défice de várias maneiras. Primeiro, tornava mais caras as nossas importações - reduzindo-as - e mais baratas as nossas exportações no estrangeiro - aumentando-as. Em segundo lugar, importando Portugal cerca de 40% daquilo que consome, o encarecimento das importações levaria a um aumento da inflação e das taxas de juro, travando generalizadamente os gastos dos portugueses.

A conclusão a tirar é a de que o euro tem permitido a Portugal viver acima das suas possibilidades. Não estando disponível a opção da desvalorização, a única maneira de corrigir a situação é, para o nível actual de salários em Portugal, a produtividade aumentar no país a uma taxa mais rápida do que na UE, de longe o nosso parceiro comercial mais importante, representando cerca de 80% das nossas exportações e importações. Mas tal não tem acontecido. Ainda esta semana foram divulgados os números do crescimento da produtividade na UE para 2006. Em média, na UE-27 a produtividade cresceu 1.4%; em Portugal, apenas 0.6%, a segunda mais baixa de todas. Em 2005 o panorama não tinha sido melhor: 1% na UE-27, 0.5% em Portugal - e esta situação ocorre desde há vários anos a esta parte.

Então, só resta uma saída: os salários vão ter de baixar em Portugal para que a competitividade internacional do país possa aumentar. Para que os salários baixem é necessário, em primeiro lugar, que se gere uma situação de excesso de oferta no mercado de trabalho, significando que o desemprego no país está destinado a aumentar também. O aumento do desemprego levará ao aumento da emigração e é por aqui que se paga, em parte, o facto de os portugueses terem andado a viver, ao longo dos últimos anos, acima das suas possibilidades: um número crescente de portugueses vai agora para o estrangeiro trabalhar para aqueles que nos andaram a sustentar.
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Por outro lado, só tem sido possível ao país viver acima das suas possibilidades, comprando ao estrangeiro mais do que aquilo que lhe vende, ou porque o estrangeiro lhe dá dinheiro - como tem sucedido por parte da UE - ou porque lho empresta. E, na realidade, os portugueses - Estado, empresas, particulares - têm-se socorrido cada vez mais do crédito concedido por estrangeiros, seja indo buscá-lo lá fora, seja endividando-se junto de um sistema bancário onde a presença de bancos estrangeiros é cada vez mais notória. Nos casos em que os empréstimos não são reembolsados - e isso está a acontecer com frequência crescente - são os estrangeiros que ficam com a propriedade dos portugueses: empresas, quintas no Douro, casas de habitação. É também por esta via - a segunda - que os portugueses pagam aos estrangeiros o facto de, durante anos, terem andado a viver à custa deles: entregando-lhes as suas propriedades.
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As perspectivas não são, portanto, animadoras para os nacionalistas. Ou a produtividade aumenta drasticamente no país - e ela não dá sinais de o fazer -, ou então cada vez mais portugueses vão emigrar para o estrangeiro, sendo substituídos, em parte, por imigrantes vindos de África, da Europa de Leste e do Brasil, ao mesmo tempo que a propriedade em Portugal - empresas, quintas no Douro, montes no Alentejo, casas de habitação - serão cada vez mais possuídas por estrangeiros. Em Espanha a situação não vai ser diferente. A menos que um surto de nacionalismo desperte no país.

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