Richard Dawkins é o chefe de fila do ateísmo contemporâneo e parece que é um apreciável cientista. Esta sua última obra, The God Delusion, é, segundo me dizem, a mais fácil de quantas escreveu, e está destinada ao grande público. Confesso que não li nenhuma das outras. Mesmo assim, The God Delusion (que um brincalhão qualquer traduziu, em Portugal, para A Desilusão de Deus) revela um excelente comunicador, um autor possuidor de uma escrita de excelência, conhecedor profundo dos temas de que trata e um bom argumentador. Desse ponto de vista, a obra é mais do que recomendável, quase obrigatória, até.
Só que Dawkins é mais do que um cientista à procura da verdade sobre Deus e a transcendência. Ele é um ateu confesso e militante, um dogmático da religião com uma posição a defender e um objectivo a cumprir: converter os crentes. Desse ponto de vista, Dawkins não age, pelo menos neste livro, como um cientista em relação ao seu objecto de estudo. Ele começa por expor as suas conclusões, e toda a argumentação que desenvolve daí por diante serve somente para as fundamentar. O livro de Dawkins não pode ser, portanto, considerado um livro científico, mas ideológico. Expõe e defende uma ideia do começo até ao fim: «Deus não existe».
Mas a fragilidade da dogmática de Dawkins não se fica por aqui. No fim de contas, o que argumenta ele contra Deus? Que a Ciência (e Darwin) demonstra a baixíssima probabilidade de que ele possa existir. Só? Só. Aqui é que Dawkins se afunda definitivamente. Porque, para além dele fazer uma confissão de fé na dita «Ciência», ele repete, nem mais nem menos, o preconceito com que a «ciência» positivista do fim do século XIX se encarava a si mesma e ao futuro: a de que ela tinha chegado ao termo das suas possibilidades, concluído a sua missão, e que, para si, o futuro não existia. Dawkins não terá compreendido o que Popper andou décadas a pregar: que o status de um postulado científico depende da sua refutabilidade; e que a Ciência é, por natureza e definição, um campo aberto à experimentação de novas hipóteses. Dizer, assim, que a Ciência demonstra a quase inexistência de Deus é uma forma de positivismo científico, que, por o ser, não pode ter o estatuto de Ciência. Por não ser possível determinar o futuro da Ciência, esta posição de Dawkins transforma-o num crente. Ele acredita que a Ciência jamais provará a existência de Deus e que já demonstrou a sua «quase» inexistência. É uma hipótese. Como tal, a atitude científica é acreditar que ela pode ser refutada. Excluir essa possibilidade e começar a pregar o seu contrário é crendice.
E, por fim, o derradeiro problema. Dawkins considera que Deus não existe no céu e que é uma fonte de problemas sem fim na terra. Daí conclui que a humanidade deve abandonar a ideia de Deus e rejeitá-la, em nome da felicidade. O argumento é francamente canhestro e pode levar a refutações caricatas. Por exemplo, é certo que muita da conflitualidade humana, alguma que levou mesmo a conflitos sérios, se deve ao instinto sexual. Ao sexo, mais exactamente, e às relações que ele gera entre os indivíduos. Ao ciúme, à cobiça, à descoberta da traição, à angústia do abandono, ao abandono, etc. e tal. Os homens seriam mais pacíficos sem o sexo? Indiscutivelmente. Quase bovinos, pela certa. Devem, então, em nome dessa tranquilidade, rejeitarem-no?
E se é possível que Deus não exista no céu, na terra ele existiu sempre, em toda a parte, por todo o lado. A sua omnipresença e intemporalidade são humanamente inquestionáveis. E se lhe devemos, ou aos homens que dizem agir em seu nome, entre nós, grandes tragédias, também lhe somos tributários das mais extraordinárias realizações do espírito humano. E isso é que o ateísmo é incapaz de demonstrar: que o homem pode viver sem Deus. Porque razão assim é, essa é uma outra questão. Porventura a mais significativa de todas.
Só que Dawkins é mais do que um cientista à procura da verdade sobre Deus e a transcendência. Ele é um ateu confesso e militante, um dogmático da religião com uma posição a defender e um objectivo a cumprir: converter os crentes. Desse ponto de vista, Dawkins não age, pelo menos neste livro, como um cientista em relação ao seu objecto de estudo. Ele começa por expor as suas conclusões, e toda a argumentação que desenvolve daí por diante serve somente para as fundamentar. O livro de Dawkins não pode ser, portanto, considerado um livro científico, mas ideológico. Expõe e defende uma ideia do começo até ao fim: «Deus não existe».
Mas a fragilidade da dogmática de Dawkins não se fica por aqui. No fim de contas, o que argumenta ele contra Deus? Que a Ciência (e Darwin) demonstra a baixíssima probabilidade de que ele possa existir. Só? Só. Aqui é que Dawkins se afunda definitivamente. Porque, para além dele fazer uma confissão de fé na dita «Ciência», ele repete, nem mais nem menos, o preconceito com que a «ciência» positivista do fim do século XIX se encarava a si mesma e ao futuro: a de que ela tinha chegado ao termo das suas possibilidades, concluído a sua missão, e que, para si, o futuro não existia. Dawkins não terá compreendido o que Popper andou décadas a pregar: que o status de um postulado científico depende da sua refutabilidade; e que a Ciência é, por natureza e definição, um campo aberto à experimentação de novas hipóteses. Dizer, assim, que a Ciência demonstra a quase inexistência de Deus é uma forma de positivismo científico, que, por o ser, não pode ter o estatuto de Ciência. Por não ser possível determinar o futuro da Ciência, esta posição de Dawkins transforma-o num crente. Ele acredita que a Ciência jamais provará a existência de Deus e que já demonstrou a sua «quase» inexistência. É uma hipótese. Como tal, a atitude científica é acreditar que ela pode ser refutada. Excluir essa possibilidade e começar a pregar o seu contrário é crendice.
E, por fim, o derradeiro problema. Dawkins considera que Deus não existe no céu e que é uma fonte de problemas sem fim na terra. Daí conclui que a humanidade deve abandonar a ideia de Deus e rejeitá-la, em nome da felicidade. O argumento é francamente canhestro e pode levar a refutações caricatas. Por exemplo, é certo que muita da conflitualidade humana, alguma que levou mesmo a conflitos sérios, se deve ao instinto sexual. Ao sexo, mais exactamente, e às relações que ele gera entre os indivíduos. Ao ciúme, à cobiça, à descoberta da traição, à angústia do abandono, ao abandono, etc. e tal. Os homens seriam mais pacíficos sem o sexo? Indiscutivelmente. Quase bovinos, pela certa. Devem, então, em nome dessa tranquilidade, rejeitarem-no?
E se é possível que Deus não exista no céu, na terra ele existiu sempre, em toda a parte, por todo o lado. A sua omnipresença e intemporalidade são humanamente inquestionáveis. E se lhe devemos, ou aos homens que dizem agir em seu nome, entre nós, grandes tragédias, também lhe somos tributários das mais extraordinárias realizações do espírito humano. E isso é que o ateísmo é incapaz de demonstrar: que o homem pode viver sem Deus. Porque razão assim é, essa é uma outra questão. Porventura a mais significativa de todas.
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