A crise financeira americana, mais a crise económica que se vai seguir, vai pôr seriamente à prova a União Europeia, e algumas das suas instituições, entre as quais o Banco Central Europeu e, naturalmente, o euro.
A UE-27 é uma economia razoavelmente fechada onde a maior parte do comércio internacional se faz dentro da União, e exportando apenas cerca de 8% do seu PIB. Destes, cerca de 3% são exportações directas para os EUA, e os restantes são exportações para países da Asia, do Médio Oriente, da América Latina que, na sua maioria, possuem as suas moedas ligadas ao dólar. A desvalorização persistente do dólar nos últimos meses está destinada, por isso, a afectar negativamente negócios exportadores da UE de montante anual superior a um trilião de dólares, equivalentes à produção anual da oitava maior economia do mundo - a Espanha. É apenas natural que os interesses afectados não fiquem quietos.
A primeira forma de pressão já está a ser exercida sobre o BCE no sentido de não consentir na valorização contínua do euro. Como argumentei em post anterior, no limite, esta política, resolvendo embora problemas de competitividade de curto prazo, levaria à importação da crise financeira americana para a Europa, reduziria a qualidade do euro para o nível que agora tem o dólar e, a prazo, produziria uma violenta recessão, como aquela que agora ameaça os EUA.
Na prática, vão defrontar-se dentro do BCE duas filosofias de gestão de um banco central. Por um lado, a filosofia do Bundesbank, segundo a qual um banco central tem apenas como objectivo garantir a estabilidade do poder de compra da moeda. Segundo esta filosofia, o euro valorizará aquilo que tiver que valorizar, segundo as condições do mercado, e constitui pecado mortal o BCE intervir no mercado cambial comprando dólares e inundando o mundo de euros (excepto, obviamente, em situações de catástrofe iminente).
Do outro lado, está a filosofia dos bancos centrais do sul da Europa (França, Itália, Espanha) que consideram que, para além do objectivo de garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, o banco central também deve atender à conjuntura económica, designadamente ao crescimento económico e ao desemprego. Esta filosofia favorece a intervenção do BCE nos mercados cambiais para evitar a apreciação contínua do euro e a queda do dólar.
Esta segunda filosofia tem como aliado de peso o Fed americano, o qual também prossegue a dualidade de objectivos. O actual presidente do BCE é francês. Se esta filosofia prevalecer, eu não ficaria surpreendido de ver a Alemanha a abandonar o euro - o que seria o princípio do seu fim. O primeiro grande teste ao BCE e ao euro está agora aí.
Sem comentários:
Enviar um comentário