24 novembro 2007

BCE

A crise dos empréstimos de segunda qualidade tem sido, até agora, uma crise predominantemente americana e britânica. Na Europa continental e na Ásia, embora alguns efeitos se façam sentir no incumprimento de empréstimos bancários e na consequente contenção do crédito por parte dos bancos, não são conhecidos casos de bancos em dificuldades sérias.

Durante o próximo ano, os efeitos que a crise anglo-americana poderá vir a ter na Europa dependem criticamente da reacção do Banco Central Europeu (BCE) à evolução de uma variável chave - a cotação do dólar face ao euro. Em princípio, o BCE tenderá a trilhar um caminho definido por uma linha fina entre duas posições extremas, embora muito mais chegada a um dos extremos do que a outro.

Uma posição extrema é a de o BCE deixar seguir a tendência de desvalorização do dólar que o mercado tem vindo a ditar, mantendo-se atento à desvalorização, mas sem nunca interferir no mercado, suportando o dólar. A segunda posição extrema é a de o BCE fixar uma cotação do dólar em relação ao euro (por exemplo, 1.50), a partir da qual intervém no mercado, não permitindo que o dólar desvalorize mais, ou o euro valorize mais, a partir desse nível.

Ambas as posições extremas têm vantagens e inconvenientes, e as vantagens de uma são os inconvenientes da outra. O principal benefício da primeira é o de que, recusando-se a intervir no mercado em defesa do dólar - intervenção que se traduziria na compra de dólares contra a emissão de euros saídos da máquina impressora - o BCE evita que a crise americana, que foi motivada por uma expansão descontrolada do crédito, contagie a Europa. Na realidade, a emissão de euros necessária para suportar o dólar nos mercados cambiais em breve provocaria na Europa uma expansão descontrolada do crédito e uma crise bancária semelhante à americana. O principal inconveniente desta posição extrema é o de que ao consentir na desvalorização do dólar, e na valorização do euro, o BCE aceita, pelo menos temporariamente, uma perda de competitividade da economia europeia face à americana, reduzindo as exportações e o emprego.

Pelo contrário, na segunda posição extrema que lhe é possível adoptar - fixando um valor do câmbio a partir do qual intervém para evitar uma desvalorização adicional do dólar, ou valorização do euro - o BCE aceita contagiar a Europa com a crise dos empréstimos de segunda qualidade, protegendo embora, no curto prazo, a competividade e o emprego.

O BCE irá seguir uma linha de acção muito próxima da primeira posição, evitando o contágio na Europa da crise americana, embora aceitando no curto prazo uma perda de competitividade da economia europeia. Os efeitos desta perda de competividade sobre a produção e o emprego europeus são hoje muito menores do que em tempos anteriores. No conjunto dos seus 27 países, a UE-27 representa agora uma economia maior (PIB: $15 triliões) do que a dos EUA (PIB: $13 triliões). E do seu PIB conjunto de $15 triliões, apenas 3% é exportado para os EUA. Por isso, a desvalorização contínua do dólar terá efeitos menores sobre o PIB e o emprego europeus.
.
O BCE tenderá, portanto, a deixar cair o dólar e a assistir à valorização gradual do euro ditada pelo mercado, enquanto a desvalorização do dólar se processar de forma ordenada, isto é, enquanto o dólar continuar a cair de forma lenta e sem sobressaltos. O BCE não vai, porém, tolerar uma queda brusca e violenta do dólar - um crash . Neste caso vai intervir sem hesitação, porque o crash do dólar representaria no imediato um custo inaceitável, não apenas para a Europa, mas para o mundo inteiro - uma crise financeira internacional.
.
Enquanto o dólar cai e o euro sobe, a moeda europeia vai ganhando no mundo a credibilidade que o dólar vai perdendo, ocupando uma posição cada vez maior como moeda de reserva internacional - uma posição que hoje já excede um terço e tem vindo sempre a crescer. A manter-se esta tendência - e mantendo-se a UE coesa -, a Europa tenderá a conquistar aos EUA a posição dominante na economia mundial, e o euro tenderá a conquistar ao dólar a posição de moeda privilegiada de reserva do sistema financeiro internacional.

Sem comentários: