20 outubro 2007

constituição

Principiemos, então, pela semântica: Constituição Política significa o conjunto de normas jurídicas que estruturam a organização política limitada de uma sociedade, que garantem os direitos fundamentais dos indivíduos a que se destinam, e que balizam os parâmetros da ordem jurídica. Não tem que ser um documento escrito e uniforme (Reino Unido, Israel, Nova Zelândia), não carece de um poder constituinte de raiz popular (a esmagadora maioria das Constituições do séc. XIX foram outorgadas pelos monarcas), menos ainda tem que ser a «Constituição do Estado», embora todos os Estados modernos disponham de uma Constituição.

Neste último caso – a de uma comunidade política que não é um Estado, mas dispõe de uma Constituição – está claramente a União Europeia. Esta é uma organização política de entidades estaduais e de cidadãos, que dispõe, à semelhança do Reino Unido, de uma unwritten Constituition, também ela com statute laws (os tratados), normas consuetudinárias que organizam o poder (inúmeras, mas, a título de simples exemplo, as que atribuíam dois comissários aos cinco grandes Estados da União, em detrimento dos outros que apenas indicavam um), e uma vastíssima jurisprudência com valor constitucional, graças à qual se enunciaram os princípios fundamentais do direito comunitário, entre eles o do seu primado sobre os direitos nacionais dos Estados-membros. A este respeito, diga-se que o direito comunitário prevalece, como não poderia deixar de ser, sobre o direito interno dos Estados, inclusivamente sobre o Direito Constitucional, ao ponto de várias Constituições (entre elas a nossa) terem tido a necessidade de realizarem revisões extraordinárias para se conformarem às normas comunitárias. Se isto não chegar como prova, imagine-se o que seria uma Constituição de um Estado-membro incorporar uma norma expressa que proibisse os princípios da economia de mercado, da livre concorrência ou diminuísse a democracia (lembram-se do Haider?). Qual subsistiria?

Portanto, é um tanto ou quanto caricato que se tenha por aí andado a discutir a inefável Constituição de Giscard, que era, nem mais nem menos, que um trabalho de corte e costura de tudo isto, pomposamente embrulhado com um pífio celofane e um laçarote piroso, como só alguns franceses são capazes de fazer. Isso irritou muita gente, como o meu bom amigo CAA, que continua a amar a pátria e os símbolos eternos da portugalidade. Desta vez, graças à manha e à paciência de chinês de Barroso (que acabou de ganhar mais quatro anos em Bruxelas), a sintaxe foi às malvas e a semântica continuou, como desde há muito e até aqui, na mesma. Ah, e ainda deram de bónus aos soberanistas o ignóbil Hino da Alegria, as bandeirinhas da União, o delirante Ministro dos Negócios Estrangeiros da União (ninguém me convence que não era uma partida de mau gosto ao senhor Solana), e mais alguma tralha simbólica da Constituição que o não foi.

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