17 setembro 2007

senão mesmo

É claro que não existe inconveniente nenhum que um universitário venha a público de forma intermitente ou regular comentar sobre os temas da sua especialidade. Bem pelo contrário. Na realidade, uma das principais vantagens para a sociedade da instituição universitária - quando ela não se deixa prostituír pela política ou por outros interesses - consiste em os cidadãos disporem ali de um reservatório de conhecimentos, competências, guias para a acção e até valores que a todo o momento podem utilizar e a que, de outro modo, provavelmente nunca teriam acesso.

Quem não apreciaria, sobre a questão dos transgénicos, escutar a opinião de um universitário especialista na matéria quando ele se apresenta em público de forma imparcial e guiado apenas pelo vínculo à verdade? Quem voltaria as costas a um médico universitário que vem à televisão explicar de forma imparcial e exaustiva os riscos do aborto, ou as questões éticas da eutanásia?

O capital de credibilidade do universitário advém-lhe da sua neutralidade ou imparcialidade em relação ao mundo dos interesses e das paixões e de estar vinculado, bem como a instituição a que pertence, a prosseguir a verdade e só a verdade. Por isso, a universidade é uma instituição muito importante numa sociedade democrática. Nesta sociedade, cada homem é chamado a fazer escolhas individuais e colectivas que são, por vezes, extraordinariamente complexas. Possuindo ele um conhecimento da realidade que não pode ser senão limitado, ele dispõe, porém, na universidade e nos universitários da fonte de informação imparcial, credível e praticamente exaustiva que o ajudarão a decidir acerca das questões da sua vida pessoal e da vida colectiva. Por isso, numa sociedade onde a universidade cumpre a sua própria função, os universitários são activamente chamados a participar na vida social através dos jornais, da rádio, da televisão, nos debates em clubes recreativos, paróquias e juntas de freguesia, para além daquilo que constitui o seu trabalho específico de investigação e docência.

Todo este capital social de conhecimento e credibilidade se degrada, até se tornar irrelevante - senão mesmo, contraproducente, ao ponto de constituír um ónus para toda a sociedade -, quando os universitários, e a universidade, se deixam prostituír pela política ou por outros interesses. A liberdade que o universitário possuía para exprimir a verdade passa agora a estar subordinada às conveniências e aos interesses da política. E lá, onde ele antes dizia a verdade, passa agora a dizer meia-verdade, senão mesmo, literalmente, a mentira.

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