19 setembro 2007

não a falta dele


Os observadores e os estudiosos que vêem na Península Ibérica o centro e a origem da tradição de liberdade individual no Ocidente, raramente deixaram de acrescentar que se trata de uma tradição tão forte que frequentemente descamba na anarquia.

Na realidade, a partir do triunfo da democracia e dos ideais da revolução francesa em Portugal e Espanha, bem como nas suas colónias da América Latina, no início do século XIX, a principal vítima dos excessos da tradição ibérica de liberdade individual foi, em primeiro lugar, o Estado (no sentido das instituições públicas) e, depois, toda a sociedade.

Este individualismo libertário que, quase invariavelmente, se traduz em comportamentos que envolvem "benefício privado e custo público", encontra as condições ideais para a sua expressão em regime democrático. Neste regime, em que o poder político depende do voto popular, nenhuma pessoa ou grupo de pessoas se encontra em condições de defender as instituições do Estado, de uma forma duradoura e firme, contra as depredações que os excessos da liberdade individual produzem.

Nos países do norte da Europa e da América do norte esta defesa é feita pela opinião pública. Porém, nos países do sul da Europa e da América Latina, o individualismo libertário acaba a deprecar tudo aquilo que é público, e na prática torna também impossível a formação de uma opinião pública. Por isso, nos períodos em que viveram em regime democrático, estes países acabaram sempre mal porque, ao contrário dos países do norte, a sua opinião pública - se é que, nestes países, se pode falar em tal coisa - nunca foi suficientemente forte para conter os excessos corrosivos da sua tradição inigualável de liberdade individual.

Na experiência democrática actual em Portugal - mais uma, desde 1820 - a União Europeia tem fornecido o sucedâneo de autoridade que a opinião pública não consegue assumir - e cuja outra única alternativa é uma autoridade pessoalizada - para defender o Estado e proteger as instituições contra o nosso individualismo libertário. Pode ser que triunfe - o jogo ainda não acabou. Porém, uma coisa é certa, aos meus olhos: sem União Europeia nós já não teríamos democracia, e um dia que a União Europeia acabe, acaba a democracia em Portugal. Em qualquer caso, o ponto que eu gostaria de realçar mais uma vez é que a causa maior das nossas dificuldades passadas e presentes é o excesso de liberalismo, não a falta dele.

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