O caso das nossas revoluções é significativo. Gastam-se milhares e milhares de contos, perdem-se vidas, semeiam-se lágrimas, acumulam-se prejuízos de toda a ordem, desacredita-se o País. Reclama a opinião pública sanções severas, um castigo exemplar que acabe por uma vez com o fermento de tanta desordem, e os Governos obedecem-lhe na primeira hora. Afastam-se e demitem-se os funcionários, dá-se baixa aos militares, criam-se tribunais próprios para o julgamento dos crimes, decretam-se as penalidades adequadas. A certa altura estão os tribunais adormecidos, os presos em liberdade, os funcionários reintegrados nos seus lugares, o público esquecido da revolução e das lágrimas e sofrimentos passados, a opinião dos amigos e inimigos reclamando, perante a obra inacabada, uma esponja sobre o que lá vai (...)
Basta ver as reacções do nosso povo diante dos grandes crimes, a que os jornais dão proporções escusadas. O primeiro movimento é de violência, de rancor, quase de ódio, contra o criminoso, contra os seus maus instintos, contra a fera, etc., etc. Mas o assassino é julgado e há sempre uma figura humana que aparece na teia, ao seu lado: a companheira dedicada, a mãe velhinha, o filho abandonado... E logo se sente uma reviravolta, um movimento de compaixão na opinião pública: 'Coitado! Pobre homem! Basta já o que sofreu'. E quando é lida a sentença, quando a pena é justa mas grande, sente-se de novo, nas entrelinhas dos jornais, nos rumores do público, um movimento de violência, de rancor, quase de ódio, mas contra os juízes, contra a justiça..."
(Salazar, 1933, em entrevista a António Ferro)
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