Quando, na sociedade canadiana, começassem a ser faladas pequenas histórias de abusos do fisco sobre os cidadãos, o fenómeno nunca ganharia uma grande dimensão. As pequenas histórias rapidamente fariam as primeiras páginas dos jornais, os talk shows das televisões, e a opinião pública estaria a exigir em breve a substituição imediata, não do chefe desta repartição de finanças, ou do funcionário daquela, mas do responsável máximo da instituição fiscal do país. O novo responsável corrigiria os abusos e em breve tudo voltaria à normalidade.
Em Portugal é diferente. As pessoas queixam-se em surdina, mas nunca de forma aberta. Por vezes surgem histórias de abuso nos jornais, mas só nas páginas interiores e, invariavelmente sem nomes, o que retira credibilidade à história e permite aos responsáveis contestá-las ou dizer que já está tudo corrigido. Lentamente, os abusos instalam-se na sociedade como uma cultura, vão crescendo em bola de neve, as queixas em surdina multiplicam-se, mas nunca são abertas e decisivas, confrontando directamente os responsáveis no poder.
E as coisas passam-se assim, não por uma mera questão de cobardia e medo - embora estes factores sejam certamente importantes. Mais importante ainda é que, ocorrendo numa sociedade cuja cultura aprecia verdadeiramente a liberdade individual, e até os seus excessos, cada um está disposto a aguentar calado todos os abusos cometidos pelos homens do poder na secreta esperança de que, quando um dia ele próprio chegar ao poder, possua, então, também a maior liberdade para cometer esses abusos.
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