Esta doutrina foi no último século desenvolvida por autores - como Mises, Hayek, Friedman, Rothbard, Rand, Buchanan e muitos outros - de raizes culturais oriundas da América do Norte ou do norte da Europa, nunca, ou somente de uma forma secundária, por autores oriundos do sul da Europa ou da América Latina. Em consequência, muitos intelectuais destes últimos países, por efeito de mero argumento abstracto e pelo poder persuasivo daqueles autores, convenceram-se que o ideal de liberdade e o verdadeiro liberalismo estava situado nos países predominantemente protestantes do norte da Europa e da América do Norte.
Eu tenho defendido a tese contrária - que o ideal de liberdade individual está, em primeiro lugar, e é praticado sobretudo nos países predominantemente católicos do sul da Europa e da América Latina, e que os autores mencionados acima partilhariam a minha tese se alguma vez tivessem vivido num destes países - um deles viveu temporariamente, e esse, eu trato especialmente em baixo.
Claro que a minha tese levantou celeuma, e não pouca ridicularização entre os intelectuais liberais da blogosfera. Podia lá ser, como assim, então não é verdade que a própria Igreja Católica foi ao longo da história uma das mais poderosas máquinas de opressão? Como poderia a liberdade individual existir em Portugal ou no México em maior amplitude que nos EUA, no Canadá ou na Grâ-Bretanha?
A minha tese não é original e é partilhada por vários autores insuspeitos, sobretudo historiadores, como Lord Acton, Paul Johnson, Erik von Kuehnelt-Leddihn, e até pelo economista libertário Murray Rothbard, mencionado anteriormente.
Tendo Rothbard vivido a espaços na Guatemala, aonde, a partir de certa altura, passou a ir dar aulas à universidad Francisco Marroquín, no final da vida os seus discípulos perguntaram-lhe qual o país que melhor aproximava o seu ideal libertário. Rothbard, que vivia, nos EUA, no mais livre de todos os estados americanos - o Nevada - respondeu: a Guatemala. Os discípulos procuraram abafar a história que, não obstante, passou a correr de boca-em-boca no meio universitário.
O argumento intelectual abstracto como instrumento para provar uma tese de natureza social é frequentemente um instrumento impotente e inadequado. É necessário frequentemente descer ao concreto. Por isso, há alguns dias atrás, numa série de posts, eu comecei essa descida ao concreto, primeiro revelando que tinha vivido oito anos no Canadá, em meio predominantemente universitário. Em seguida, produzindo uma série de posts sobre a universidade e os universitários em Portugal e no Canadá.
A certa altura, as coisas tornaram-se tão concretas que a minha própria mulher, que hoje faz anos, foi a uma caixa de comentários deixar-me lá um aviso acerca dos caminhos por onde eu me andava a meter. Nos países de tradição católica, a partir de certa altura, as mulheres - as patroas - tratam os seus respectivos maridos, invariavelmente, como se eles fossem o seu filho mais novo - faz isto, não faças, aquilo, vê lá o que é que vais fazer...
Foi no post cidade da padralhada, em que eu me referia a três universitários que me trataram razoavelmente mal quando eu escrevia no Blasfémias. Embora achasse que, mais cedo ou mais tarde, eu teria de lhes dar umas nalgadas de natureza intelectual que eles há muito andavam a pedir e mereciam, o meu propósito principal não era esse. Pelo contrário, era o de preparar o terreno para, no âmbito de um microcosmos que eu conheço particularmente bem - a universidade -, comparar a esfera de liberdade individual num país predominantemente católico - Portugal - e num país predominantemente protestante - o Canadá.
É isso que farei no próximo post, mas adianto já o resultado. Portugal vai ganhar.
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