Aquilo que distingue Salazar de todos os políticos da era moderna que o precederam desde o Marquês de Pombal, e que lhe permitiu transformar o país em ruínas que ele herdou desses políticos num outro país que, à data da sua morte, não sendo embora um país rico, era já, pelo menos, um país decente, foi a sua forma de pensar.
Os políticos anteriores começaram, em geral, com ideias abstractas normalmente importadas do estrangeiro e que frequentemente tinham ganho uma vida própria desligada de toda a realidade, e procuraram impô-las ao país, se necessário, utilizando a força. O Marquês de Pombal deu o exemplo com a ideia de modernidade que trouxe de Inglaterra.
Depois, a partir de 1820, foram as ideais abstractas de liberdade, igualdade e fraternidade que, entre muita violência, produziram uma guerra civil. A seguir, a partir de meados do século XIX, foram as ideias do socialismo e, ao mesmo tempo, as do republicanismo que dominaram a política portuguesa, tudo acompanhado de muito anti-clericalismo. Foi esta combinação explosiva de ideologias - no sentido de ideias abstractas prontas a serem servidas ao país - que provocou o caos em que Portugal se encontrava quando Salazar foi chamado ao poder.
Ao contrário dos seus antecessores, Salazar não tinha consideração pelas ideologias. Como diria mais tarde: "Eu confesso grande medo aos ideólogos que, afeitos às abstracções e concepções geométricas, pretendem refazer séculos de história nas suas mesas de trabalho" (1). O seu ponto de partida é a história de Portugal, a cultura portuguesa e o carácter do homem português que essa cultura enformou ao longo de vários séculos. São recorrentes no seu pensamento as observações finas ao carácter português, quase todas denotando um invulgar sentido de avaliação. Assim, por exemplo, quando no início dos anos 30, o regime teve uma deriva fascista conduzida por Rolão Preto, com a sua tentativa de militarizar a sociedade, Salazar pôs termo à experiência, observando que "O fascismo não é possível em Portugal. Entre nós, não há homens sistematicamente violentos." (2)
É a partir da realidade concreta do homem português e da sua história, tanto quanto ela pode ser apreendida, que Salazar partiu para o desenho das instituições políticas, sociais e económicas que, no seu entendimento, melhor se adaptavam a essa realidade. Ele era agora o teorizador em acção, o doutrinador incansável dos anos 30 e 40 - na minha opinião, o único pensador político português da era moderna com um pensamento verdadeiramente original. Para mencionar apenas um exemplo - talvez o mais importante de todos - a sua ideia de implantar em Portugal um Estado Corporativo é uma ideia original, genialmente concebida e adaptada à cultura portuguesa (3).
(1) Salazar, 1954, in António Trabulo, op. cit., p. 192.
(2) Ibid., p. 92.
(3) Refiro-me às corporações tal como foram criadas e funcionaram durante o regime de Salazar, incluindo a Câmara Corporativa, e não às corporações tal como evoluiram após 1974.
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