Se Rousseau foi o pai intelectual da esquerda moderna, Descartes foi certamente o avô. Tendo questionado o passado, e não encontrando o mundo feito à medida da sua razão - que ele supunha universal -, a segunda atitude típica dos cartesianos é o seu construtivismo, a ideia de fazer tábua rasa do passado e reconstruir o mundo todo de novo, por argumento racional apriorístico e desligado da experiência.
Descartes hesitou na empresa, mas essa hesitação não a tiveram Rousseau e os seus seguidores: "O comunismo - diziam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista - propõe-se abolir toda a religião e toda a moralidade (...); ele actua portanto em contradição com toda a experiência histórica".
Por menos não se ficou Ludwig von Mises, frequentemente apontado como o fundador do neoliberalismo. Primeiro, a rejeição do passado: "O tema de todas as ciências históricas é o passado. Elas não conseguem ensinar-nos nada que seja válido para todas as acções humanas, isto é, para o futuro também" (1). E, tendo rejeitado o passado como fonte do conhecimento e da experiência, ele propõe-se em seguida conceber uma ciência da sociedade que emana da razão apriorística - a ciência da acção humana ou praxeologia - e que possui um método, a que ele chama apriorismo metodológico.
Diz Mises: "(...) a razão tem o poder para tornar claras através de pura raciocinação as características essenciais da acção humana (...). Os teoremas atingidos pelo raciocínio praxeológico correcto são, não apenas perfeitamente certos e incontestáveis, ...(mas) referem-se também, com toda a rigidez da sua apodítica certeza e incontestabilidade, à realidade da acção (humana) como ela aparece na vida e na história." (2)
A boa sociedade constrói-se agora, não pelo proletariado e pela revolução e obedecendo às leis da história, mas obedecendo às leis da praxeologia que são essencialmente as leis da economia.
(1) Ludwig von Mises, Human Action, Chicago, Henry Regnery & Co., 1949, p. 30.
(2) ibid., p. 39
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