Num post anterior, eu afirmei que Descartes é o pai do ateísmo moderno - embora ele próprio fosse um homem profundamente religioso. O título de primeiro ateu moderno é geralmente atribuído a David Hume (1), embora ele nunca se tivesse assumido como tal. Porém, a verdade é que Hume chegou à posição ateísta criticando a filosofia de Descartes.
Antony Flew é (foi) considerado por alguns o maior filósofo ateu contemporâneo. No seu conhecido ensaio The Fundamentals of Unbelief, o ponto de partida para o seu ateísmo é - quem havia de ser? - Descartes. (2)
Descartes procurou demonstrar racionalmente a existência de Deus, mas falhou caíndo no chamado círculo cartesiano. Ao fazê-lo, porém, ele abriu uma avenida que outros iriam tentar de novo sem qualquer vício de argumentação. Era inevitável, porém, que cada tentativa resultaria num falhanço e cada falhanço produziria um ateu.
Em retrospectiva, eu sinto-me bastante feliz que Descartes tenha falhado e, todos aqueles que na sua esteira tentaram demonstrar racionalmente a existência de Deus tenham falhado também, embora a expensas da produção de uns quantos ateus.
Na realidade, nós podemos imaginar o que seria o mundo hoje se Descartes, ou qualquer um dos que lhe seguiu o rasto, tivessem demonstrado a existência de Deus por argumento racional e lógico. Deus teria sido engaiolado pela razão humana, seria hoje objecto de demonstração por parte dos estudantes do ensino primário como quem demonstra o Teorema de Pitágoras, e a ideia de Deus teria sido completamente banalizada.
Uma sociedade onde qualquer homem desde a mais tenra idade tratasse Deus por tu, no sentido de se sentir confiante e ser capaz de demonstrar a Sua existência pela razão, seria uma sociedade impossível - um resultado que seria bastante pior do que aquele que temos hoje, que é uma sociedade onde apenas temos de tolerar uns quantos ateus, mas que, não obstante, permanece uma sociedade viável.
(1) Cf., p. ex., Paul Johnson, The Quest for God, op. cit.
(2) Op. cit., pp. 21 e segs.
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