14 agosto 2007

lobby gay

Conheceram-se em 1750, David Hume tinha então 39 anos e Adam Smith 27, e permaneceram amigos íntimos até ao final da vida - Hume faleceu em 1776, Smith em 1790. Permaneceram ambos solteiros para sempre.

É natural que estes dois homens, que se tornaram famosos no seu tempo e frequentaram os salões de Edimburgo, Londres e Paris, tivessem tido, cada um deles, uma mulher que marcasse as suas vidas, ainda que por um período restrito. Mas não. Por mais que se procure, não existe uma mulher na vida de cada um destes homens.

Adam Smith viveu sempre com a mãe. Sobre David Hume existiam rumores na Grã-Bretanha de assédio feminino - na minha opinião, lançados pelo próprio Hume -, por exemplo, aqueles que vieram de Paris aquando da sua estadia entre 1763 e 1765, e a Wikipedia chega mesmo a dizer que ele era lionized pelas damas de salão. Curiosamente, nessa altura, Adam Smith também esteve em Paris com Hume e de Paris chegou à Grã-Bretanha o rumor de uma paixão sem consequências entre Smith e uma dama francesa. Na minha opinião, tudo obra de Hume.

Hume foi um dos primeiros pensadores modernos a aperceber-se da importância da opinião para influenciar a política e construir reputações - em primeiro lugar, a sua - e ele era um mestre na arte da manipulação. É verdade que, em 1763 em Paris, ele foi próximo da Condessa de Boufflers - na minha opinião, mais por interesse da sua reputação literária do que por amor romântico - mas ela não lhe deu saída, aparentemente, segundo Diderot, porque ele parecia por essa altura "un gros Bernardin bien nourrit".

Não deixa contudo de ser curioso que as ocasiões da sua alegada proximidade com mulheres - e a única vez em que tal aconteceu com Adam Smith - ocorressem sempre em Paris, deixando pouca margem de confirmação aos seus contemporâneos britânicos. De qualquer forma, o episódio da Condessa deita por terra a ideia que o próprio Hume pretendeu deixar no seu obituário de que a sua preferência era para as "modest women". (cf. meu post anterior).

A maior parte dos meus leitores já compreendeu onde vai desembocar a minha tese e, na verdade, é naquele parágrafo do obituário em que Hume se refere às mulheres que as minhas suspeitas se avolumaram (embora tivessem sido desencadeadas sobretudo pela carta que Adam Smith escreveu a William Strahan sobre Hume, após a morte deste, e a que me refiro abaixo.)

David Hume frequentava os mais altos círculos da sociedade britânica do seu tempo, e, nesses círculos, aparentemente, não havia nenhuma mulher que tivesse tido uma relação com ele. À boa maneira humeana, daí não se poderia inferir que ele não tivesse tido mulheres. Ele teve, só que eram dum extracto mais baixo - modest women - e, portanto, nos círculos em que ele se movia e procurava impressionar, ninguém as conhecia.
Mas não apenas isto. Que necessidade tem um homem de 65 anos de idade, a poucos meses da morte, de deixar aquela afirmação genérica no seu próprio obituário - a de que teve várias mulheres e que obteve uma excelente receptividade da parte delas, sem ser capaz, no entanto, de designar uma só? Será que eram todas clandestinas? Pouco provável, num homem que pretendia ficar para a história como um símbolo da perfeição humana.

Durante os 26 anos que conviveram desde 1750 até à morte de Hume em 1776, Hume e Smith frequentaram os mesmos círculos literários, viajaram juntos e, sobretudo, moveram continuamente influências um em favor do outro, quer com o objectivo de favorecerem as suas respectivas reputações literárias, quer com o objectivo de conseguirem posições públicas de relevo. Quando Smith publicou o seu primeiro livro, A Teoria dos Sentimentos Morais, foi Hume que preparou o terreno e assegurou a boa receptividade da obra, escrevendo depois a Smith orgulhoso do seu trabalho. A carta denota uma cumplicidade entre ambos que não seria de esperar nos padrões formais da época.

Numa das ocasiões em que Smith se ausentou para o estrangeiro, deixou Hume como seu executor testamentário, no caso de morrer durante a viagem. E quando Hume morreu em 1776, tinha nomeado Smith seu executor testamentário, e deixou-lhe uma parte da herança. Adam Smith acompanhou Hume na sua casa em Edimburgo nos últimos dias da sua doença, e foi por insistência de Hume que regressou a casa da mãe, que era também a sua casa, em Kircaldy, a poucos quilómetros de distância, "upon condition that he would send for me whenever he wished to see me."

Três meses depois da morte de Hume, numa carta a William Strahan, Adam Smith continuava a cuidar da reputação de Hume, e agora em termos totalmente invulgares num homem geralmente parco em elogios pessoais. A carta é um elogio que surpreenderia por certo os mais cépticos - como era Hume - e termina assim: "(...) I have always considered him, both in his lifetime and his death, as approaching as nearly to the idea of a perfectly wise and virtuous man, as perhaps the nature of human frailty will permit".

A minha tese é a de que Hume e Smith eram gays. Apesar da informação anterior, eu não me sinto ainda capaz de confirmar - e muito menos infirmar - esta tese. Porém, se a tese vier a ser confirmada, eles podem bem ter estado no centro do primeiro lobby gay da era moderna.

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