O ponto de partida da ordem espontânea de Hayek é Mandeville. Hayek orgulhava-se de ter descoberto Mandeville para o pensamento liberal, e não se cansava de enfatizar a influência que ele teve sobre os outros três pensadores mencionados.
Num livro publicado em 1714, sob o título The Fable of the Bees or Private Vices Public Virtues (repare-se no subtítulo) Mandeville conta o modo como milhões de abelhas, cada uma prosseguindo os seus próprios fins, motivadas pelos seus interesses e paixões e, não raro, vícios e depravações, constroem uma colmeia perfeita e altamente complexa, que nenhuma delas individualmente, por mais inteligente que fosse, alguma vez seria capaz de construir por si só ou por alguém às suas ordens. É nesta analogia da colmeia que Hayek funda a ideia de ordem espontânea nas sociedades humanas.
A tese central de Mandeville era a de que , embora todos os homens invocassem os princípios da moral tradicional para justificar os seus comportamentos, como os da solidariedade, do bem comum, do interesse público, do altruísmo, da caridade, da igualdade, etc., na prática ninguém os seguia, e que o comportamento humano era governado pelo egoísmo, pela vaidade, pelo orgulho e pelo vício, no mais literal sentido do termo. Até aqui a tese não era verdadeiramente original.
Aquilo que a tornou surpreendente foi o facto de Mandeville prosseguir para demonstrar que o egoísmo, a vaidade, o orgulho, o luxo e, geralmente, os vícios humanos, longe de serem danosos para a comunidade, eram precisamente o material de que se faziam as sociedades grandes e prósperas (daí o subtítulo: Vícios Privados, Virtudes Públicas). Os versos mais vezes citados da Fábula resumem a tese do autor:
The worst of all the multitude/Did something for the common good
(Aquilo que de pior existe em cada um/Contribuiu alguma coisa para o bem comum).
O egoísmo conduzia o homem à propriedade privada, a principal fonte da riqueza das nações; a avareza levava directamente ao lucro, induzindo os homens a produzir; a vaidade e o orgulho dos mais ricos eram a fonte do sustento dos mais pobres; o vício do alcool, a razão da grandeza de mercadores e da riqueza dos Estados. E a sobrevivência de polícias, advogados e juizes ficaria comprometida sem burlões, carteiristas e vigaristas.
Mandeville nunca se tomou a sério e no Prefácio do livro advertiu: "Se me perguntarem porque escrevi tudo isto (...), francamente, terei de dizer que para além de divertir o leitor, não tenho outro propósito no espírito". Porém, numa demonstração da vitalidade da teoria dos efeitos não-pretendidos, que Hayek tanto admirava em Mandeville, Hayek tomou-o a sério. E sobre a Fábula das Abelhas desenvolveu o seu conceito de ordem espontânea que está na base da sua teoria de uma sociedade liberal.
Eu não consigo hoje explicar o ideal de liberdade a partir destas fundações.
Sem comentários:
Enviar um comentário