16 agosto 2007

estado

Retirado do blog «O Povo», do Francisco Múrias, filho de Manuel Maria Múrias, um dos mais talentosos e temíveis jornalistas portugueses do pós-25 de Abril, director do jornal «a Rua», publicado logo a seguir à revolução com o epíteto do «Único jornal da direita que não é do centro» (os mais velhos lembram-se...), aqui vai este extraordinário texto, colhido do livro de seu pai intitulado Chiado do século XII ao 25 de Abril.

«A raiz etimológica do vocábulo Política é a mesma que Policia. Policia, Politica e Politeia são palavras que em tempos significaram o mesmo:- um reino bem policiado era um reino polido, bem ordenado, seguro, limpo, bem arranjado.Os três termos derivam de Polis, a cidade grega que governava por si e para si, um aglomerado urbano e o território circunvizinho com a área suficiente para, no mínimo, sustentar as gentes da urbe no essencial.

Politeia é uma palavra desaparecida há muito dos dicionários portugueses, embora tenda a reviver como expressão técnica da filosofia e da sociologia. Policia em 1789, na primeira edição do Dicionário do Morais feito sobre o vocabulário do Bluteau , ainda continuava a significar apenas o governo e administração da Repub. Principalmente no que respeita às comodidades, i. e. – limpeza, aceio, factura de víveres e vestuário; e a segurança dos cidadãos. No tratamento decente, cultura, adorno, urbanidade dos cidadãos no falar, no termo, na boa maneira. Resumindo: policia queria dizer governo.

Em 89 um polícia era um político. Supunha então o Morais da Silva que tanto o Policia como o Político deviam ser homens urbanos, civis, civilizados, bem educados e limpos, talvez mesmo estadistas…Ainda não sabia nada…

Inventada pelo Marquês de Pombal por uma lei de 1763, a Intendência Geral da Policia além de ter poderes para perseguir e prender os ladrões e os assassinos, ficava com a alçada sobre todos os outros crimes de armas proibidas(…)e sedições e assim todos os demais delitos. A Policia era Politica. O Intendente Geral , posto que sem jurisdição sobre o Reino todo , era um Primeiro Ministro da Administração Interna com responsabilidade sobre a segurança cívica e higiénica , mínimo Ministro da Saúde e das Obras Publicas duma cidade arruinada e uma população adventícia constituída em grande parte por desempregados, ladrões e quadrilheiros necessitados dum país que mal se curara de varias catástrofes politicas e naturais. O Politico tinha de ser um Policia.

O Policia tal o admiramos hoje é o representante legal do Poder Politico organizado em Estado concentrado, centralizado e única fonte do Direito . O Policia de há dois séculos era o governador da mais vasta urbe portuguesa num reino onde, apesar do absolutismo, até então não chegara nem a unicidade jurídica , nem o concentracionismo da administração publica, nem o centralismo governativo, dividido que estava ainda todo ele em senhorios laicos e religiosos, e em concelhos com forais e foros próprios, a soberania nacional desintegrada pelas variadíssimas franquias populares preservando-se, ao mesmo tempo, as diferenças naturais e as liberdades características de cada região, e a unidade do Reino personificada na pessoa do Rei.

Com a pombalina Intendência-Geral da Policia continua-se em Portugal a edificação do Estado Moderno , intrinsecamente totalitarizante, seja ou não eleiçoeiro, tanto que tende irreprimivelmente a imiscuir-se em tudo, a tudo querer regulamentar e normalizar, a saber de tudo, a tudo governar, gerir e administrar, através dum Monopólio da positivação dum Direito que, o mais das vezes, nada tem a ver com a Justiça, com a Moral , com os costumes , nem com a Lei propriamente dita, a Ordem natural das coisas.»

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