23 agosto 2007

embasbacados

O Marquês de Pombal foi o mais influente dos estrangeirados em Portugal. Ele próprio viveu oito anos em Inglaterra (1735-43) e ambicionava recontruir Portugal à imagem da Inglaterra. Durante os anos que lá viveu, ele pôde aperceber-se, na sua mente de burocrata, como é que se fazia um país novo e à imagem britânica - perseguindo a Igreja Católica.

O catolicismo tinha sido objecto de perseguição violenta na Grâ-Bretanha desde, pelo menos, o Tratado de Westfalia e um acto do parlamento de 1701 decretou que nenhum rei católico poderia subir ao trono britânico - uma legislação que ainda hoje se mantém em vigor na liberal Inglaterra (enquanto na intolerante cultura católica de Portugal ainda há pouco tivemos um Presidente da República judeu).

O reinado do Marquês (1750-78) e a expulsão dos jesuítas marcam um ponto de viragem dramático na história de Portugal. A partir de então, tudo o que era católico - por outras palavras, tudo aquilo que representava a nossa cultura de séculos - passou a ser mau e desprezível; pelo contrário, tudo o que vinha de lá de fora, significando sobretudo os países protestantes, é que era bom e recomendável.

Em meados do século XVIII, a Inglaterra possuía uma cultura protestante que podia florescer, sobrepondo-se e até marginalizando a cultura católica. Pelo contrário, Portugal (e a Espanha), que tinham liderado o movimento da contra-reforma, possuíam apenas uma cultura católica. Quando esta cultura foi atacada, e os próprios intelectuais e políticos portugueses (e espanhóis) se juntaram ao inimigo, nada mais seria de esperar senão o declínio.

A substituição dos jesuítas por professores laicos na universidade de Coimbra produziu uma intelectualidade secular que, desprezando a sua própria cultura e não possuindo outra, ficou permanentemente a olhar para o estrangeiro à espera das ideias que haviam de modernizar o país, nunca se apercebendo que, com a sua atitude, em lugar de o modernizar, cada vez mais o enterrava.

Os intelectuais saídos da Universidade de Coimbra ao longo de todo o século XIX e até 1926 são, na sua esmagadora maioria, um bando de arruaceiros especializados em desprezar a cultura do seu próprio país, embasbacados com tudo o que vem lá de fora, peritos em escarnecer e perseguir frades - e fazer tudo isto a partir de empregos seguros no Estado, pagos com os impostos do povo cuja cultura eles tanto desprezavam. À parte o interregno do Estado Novo, é esta cultura que em larga medida permanece ainda hoje na universidade portuguesa.

Na viragem do século XIX para o século XX o catolicismo atingiu provavelmente um dos pontos mais baixos da sua história e havia quem previsse a sua extinção - entre nós, o célebre Afonso Costa, o rei dos mata-frades. Pode ter tido origem nesta fase difícil do catolicismo o preconceito de Hayek que, vindo de um país católico - a Austria - não atribuiu qualquer importância ao pensamento católico na génese do liberalismo. Pelo contrário, foi buscá-lo à Escócia do século XVIII, um dos centros mais virulentamente anti-religiosos e anti-católicos do Iluminismo.

Quando em 1890 o governo português decretou a fusão do Banco de Lisboa e da Companhia Confiança Nacional, dando lugar ao Banco de Portugal e ao monopólio da emissão monetária no país - o regime que até então vigorava era de pluralidade de bancos emissores - Alexandre Herculano protestou e expôs as vantagens de um regime concorrencial na emissão monetária.

Cerca de um século depois, Hayek considerou uma das maiores contribuições que deu à Economia a defesa da tese da concorrência na emissão monetária, por oposição ao monopólio de um banco central.

Quando, em 1905, Max Weber publicou a sua Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, numa altura em que era moda denegrir o catolicismo, e se tornou mundialmente famoso, Antero de Quental já tinha exposto essa tese mais de trinta anos antes nas Conferências do Casino.

E quando, nas últimas décadas, os países do norte da Europa e da América do Norte passaram a andar à procura de soluções aos problemas do multiculturalismo, já nós tínhamos criado países multiculturais há séculos. E a escritora brasileira Dutra de Meneses, autora do best-seller O Português que nos pariu, numa entrevista recente à Visão explicou até a técnica mais eficaz (cito de memória): "Quem já fez amor com um português compreende como é que eles colonizaram meio mundo".

Na minha opinião, a cultura católica não precisa de ser mais criticada e desprezada. Necessita, em primeiro lugar, de ser recuperada, e a seguir, desenvolvida. Duvido que as universidades o consigam fazer. Mas, se não conseguirem, alguém vai ter de o fazer por elas.

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