Em relação aos homens que se propuseram vir dizer à humanidade a maneira como ela havia de viver, a minha primeira reacção é a de aplicar a eles próprios a receita que eles prescreveram à humanidade e, em seguida, observar se eles permanecem de pé. Não são muitos os que conseguem.
Rousseau, o grande teórico moderno da educação (Émile), nunca educou os seus cinco filhos - abandonando-os um a um, à medida que foram nascendo, à porta de um infantário que cuidava de crianças pobres. Karl Marx, o grande defensor do proletariado, teve toda a vida em sua casa uma proletária - a empregada doméstica - a quem nunca pagou um cêntimo. Bertrand Russell, o grande pacifista moderno, oferecia frequentemente pancada a quem discordava dele. Ludwig von Mises, o grande defensor da economia do mercado, nunca conseguiu vender os seus serviços no mercado e viveu a maior parte da sua vida à custa do altruísmo da Volcker Foundation - ele, que via no altruísmo, apenas uma forma de egoísmo.
Eu gostaria hoje, por isso, de explicar o método que segui para estabelecer a tese de que David Hume era gay. Primeiro, apliquei o seu princípio do cepticismo radical à sua própria afirmação, segundo a qual "(...) and as I took a particular pleasure in the company of modest women, I had no reason to be displeased with the reception I met with from them" (1) para estabelecer a proposição: "Hume nunca teve mulher".
A impossibilidade de fazer inferências racionais é outro dos princípios centrais da filosofia de David Hume. Aplicando-lhe o seu próprio princípio do cepticismo radical eu estabeleci a proposição de que as inferências racionais são possíveis, a qual, aliada à proposição anterior de que ele nunca teve mulher, me conduziu à tese de que David Hume era gay.
Em seguida, no sentido de falsificar esta conjectura, utilizei todas as fontes históricas a que tive acesso e fui à procura de uma mulher na vida privada ou íntima de David Hume. E, neste processo de procura, em lugar de encontrar uma mulher, dei de caras com Adam Smith.
David Hume viveu obcecado com a sua reputação, não apenas perante os seus contemporâneos, mas, sobretudo perante a posteridade. Chegou mesmo a escrever o texto que pretendia ver inscrito na sua estátua. Se a fonte histórica desta obsessão fosse apenas o próprio Hume, eu ter-lhe-ia aplicado também o princípio do cepticismo radical. Mas não. Os seus contemporâneos e os historiadores são unânimes nesta matéria. Hume era também um homem imensamente inteligente e alguns - que não ele, caso contrário eu ter-lhe-ia aplicado ainda o princípio do cepticismo radical - chegaram mesmo a escrever que ele possuía uma inteligência Olímpica (2).
A filosofia de David Hume destronou Deus, e o próprio Hume ambicionou substituir-se a Deus - um resultado que, em parte, conseguiu, e logo após a sua morte, altura em que o filósofo idealista britânico James Hutchison Stirling escreveu: "Hume é a nossa política, Hume é o nosso comércio, Hume é a nossa filosofia, Hume é a nossa religião". Mais recentemente, a estátua que lhe foi erigida em 1997 em Edimburgo possui três metros de altura - uma dimensão que geralmente era reservada somente às estátuas erigidas a Deus - e nela os crentes veneram-no como um Deus, chupando-lhe o dedo grande do pé.
No tempo de Hume, a homossexualidade não era generalizadamente aceite à luz da moralidade tradicional prevalecente, e dava somente então os primeiros passos no sentido da sua expressão pública. Ambicionando substituir Deus, Hume tinha agora de reconciliar a sua (conjecturada) homossexualidade com a moralidade - e esta tinha de ser, obviamente, uma nova moralidade. Possuindo uma inteligência Olímpica, foi isso que ele fez na sua filosofia moral, criando um novo critério de moralidade que efectuava essa reconciliação, e a cujo lema já aludi em post anterior: "If you feel good about it, it is moral".
(1) David Hume, My Own Life, op. cit.
(2) David Blackburn, The Oxford Dictionary of Philosophy, Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 180.
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