15 julho 2007

preto velho


Quando, recentemente, um leitor se aproximou de mim e me disse que achava que eu deveria escrever uma História de Portugal dos últimos dois a três séculos, eu fiquei perplexo. Perante a minha admiração, ele esclareceu-me: "É que a sua História de Portugal seria exactamente ao contrário de todas aquelas que temos por aí". Tenho de admitir que, após a surpresa inicial, eu passei a achar a ideia, não apenas estimulante, mas muito necessária.

Na verdade, durante o chamado período do liberalismo em Portugal, que se estende praticamente de 1820 a 1926, não existiu liberalismo praticamente nenhum no país. Por mais que procure uma corrente de pensamento liberal, uma doutrina, entre os muitos intelectuais que viveram neste período de mais de cem anos, não consigo encontrar nenhuma - embora continue a procurar.

A geração de 70 - talvez a mais célebre geração de intelectuais neste período - foi, a este propósito, uma decepção. Ela era profundamente anti-liberal, revolucionária, socialista, jacobina, anti-clerical, escarnecendo e desprezando militantemente - e só às vezes, com génio - tudo aquilo que eram as tradições e as instituições seculares do país. Ideias, nenhumas, excepto aquelas que importava nos livros - por vezes, os mais vulgares - vindos de França, primeiro, e da Alemanha, depois.

No meio deste deserto, apenas uma excepção - Alexandre Herculano -, no meu conhecimento e avaliação o único intelectual liberal que o liberalismo português produziu em mais de um século. Em 1867, com 57 anos de idade, retirou-se para Vale de Lobos onde, durante os dez anos seguintes, viria a produzir " o melhor azeite do seu tempo" (Fidelino de Figueiredo) e algum do seu melhor pensamento.

De Vale de Lobos, este "liberal dos quatro costados", genuíno "liberdadeiro empedernido no pecado", como gostava de se chamar, resistiu aos apelos para que regressasse a Lisboa, que lhe eram dirigidos pela geração de 70, a qual via nele o líder intelectual incontestado do seu tempo, e que estava agora embevecida com as ideias do socialismo importado da Alemanha. Herculano nunca cedeu - "preto velho não aprende língua", escreveu ele a Oliveira Martins em 1877, poucos meses antes de morrer - como que a provar que o lugar de um homem livre é, na realidade, sozinho.

2 comentários:

Anónimo disse...

Tenho de admitir que, após a surpresa inicial, eu passei a achar a ideia, não apenas estimulante, mas muito necessária.
PA


Acho que deveria faze-lo!

Nao com o propósito de esclarecer as geraçoes actuais ( que eles afortunadamente tenhem orelhas, olhos para ouvir e ver) e por tanto, ainda que vc nao o comprenda, sao minimamente "esclarecidos".

Sería com o propósito de "esclarecer" as geraçoes vindeiras. Porque quem sabe que tipo de "monstruinhos" pode depararnos o futuro...

Intente-o. Animo. Vc pode...

zazie disse...

"Preto velho"
ahahhaha