21 julho 2007

Pois é

Eu apreciei neste post do Lutz, em primeiro lugar, a civilidade, em segundo lugar, o facto de ele conter uma tese que vai para além da expressão do seu sentimento pessoal. E a tese é a de que o Museu Judaico de Berlim, carregado de evocações ao holocausto, representa algo de bom para o povo alemão, uma forma de ele se conciliar consigo próprio e a sua história.

O Lutz sabe que eu tenho uma opinião pessoal oposta, e também uma tese oposta. Como cidadão português, eu nunca aceitaria que a comunidade judaica em Portugal fosse colocar no centro de Lisboa um museu evocativo das perseguições que os judeus foram alvo no país - e estou persuadido que seria nisso acompanhado pela esmagadora maioria dos portugueses. Recomendaria que fizessem o Museu no centro de Telavive. Da mesma forma que compreenderia muito bem a recusa do povo judeu em deixar instalar no centro de Telavive um museu palestiniano evocativo dos abusos que o povo judeu tem cometido sobre o povo da Palestina.

Porém, é no plano da tese que a questão mais me interessa discutir. Seria possível a um povo sobreviver - e, mais ainda, prosperar - se, em lugar de evocar os seus grandes feitos e os seus grandes heróis, como normalmente todos os povos fazem, decidisse, em lugar disso - como sugere o Lutz - comemorar os seus grandes crimes e os seus grandes algozes?

A resposta parece-me obviamente negativa. A prazo, este povo - cada pessoa deste povo - não conseguiria ter respeito por si próprio, e menos ainda inspirar respeito aos outros. Quem iria entrar em relação com este povo, casar com uma mulher, estabelecer um contrato com um comerciante, visitar em turismo este país, se as suas cidades, vilas e aldeias estivessem repletas de estátuas evocativas dos seus grandes criminosos e de museus evocativos de todos os holocaustos que ele produziu ao longo da sua história? Um povo assim não conseguiria prosperar; pelo contrário, a prazo, estaria inevitavelmente condenado à decadência, primeiro, e ao desaparecimento depois.

Porém, o post do Lutz está tão bem redigido, que eu próprio, até certa altura, fiquei seduzido e quase me deixei convencer que a natureza humana iria poder finalmente ser alterada e passar a ser no futuro muito diferente - na realidade, exactamente ao contrário - daquilo que foi até ao presente.

Até que o Lutz me chamou à realidade, quando se referiu a Hitler e a Himmler. Deles, tal como em relação aos crimes que eles cometeram, o Lutz também não se envergonha (embora, num plano diferente, se envergonhe, o que me leva a presumir que o Lutz tem formação jurídica). Porém, o golpe fatal ao argumento ocorre um pouco mais abaixo quando o Lutz, referindo-se a Bach e a Thomas Mann, declara: "(...) a verdade seja dita: orgulho-me deles. Sei que é imbecil.".

Pois é. O Lutz tem os valores ao contrário. Considera imbecil orgulhar-se de Bach ou Thomas Mann, mas uma honra não se envergonhar nem de Hitler, nem de Himmler, nem dos crimes que eles cometeram. No mundo do Lutz, os génios destruidores vão poder florescer à vontade, enquanto os génios criadores só serão distinguidos enquanto houver imbecis.

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