25 julho 2007

opinião pública

Nos países protestantes cada homem entra no debate público com a autoridade e a responsabilidade que lhe são conferidas pela sua relação directa (covenant) com Deus. A responsabilidade leva cada homem a só intervir no debate quando tem alguma contribuição para dar, algo de positivo a acrescentar, e a calar-se, aceitando a autoridade dos outros, quando não tem. As intervenções meramente negativas, seja em relação a um argumento seja em relação a um participante, são severamente reprimidas por todos os outros. É assim por este processo, através de muitas contribuições produzidas por muitas pessoas diferentes, frequentemente pequenas mas todas elas positivas, que num país de tradição protestante se forma a opinião pública e se espera chegar à verdade.

As coisas passam-se de modo radicalmente diferente num país de tradição católica. A relação directa com Deus (covenant) é aqui o privilégio de uma elite, que recebe autoridade de Deus e assume a responsabilidade perante Ele. Num país de tradição católica, as grandes questões da sociedade são para serem decididas pela elite, e o homem comum espera que a elite decida por ele.

Porém, quando a democracia se instala, arredando da cena a elite, e dizendo ao homem comum que, a partir de agora, será ele a decidir, juntamente com os outros homens comuns, as questões da sociedade, o espectáculo que se vai seguir e a opinião pública que daqui vai resultar não poderiam ser mais desconcertantes.

A razão é que num país católico, o homem comum não se reconhece autoridade - e menos ainda a responsabilidade - para decidir sobre essas questões. E ele não a reconhece nem a si nem aos outros, que são todos iguais a ele. Por isso, num debate público, qualquer opinião vinda de um homem é imediatamente contestada pelos outros, que é a forma que eles têm de lhe fazer saber que não lhe reconhecem autoridade para se pronunciar sobre tais matérias.

O debate público tende então a tornar-se uma competição de contribuições negativas - um bota-abaixo, na linguagem vulgar - onde cada um procura contestar a autoridade do próximo nos temas da vida pública. Este processo conduz à fragmentação da opinião pública e à sua balcanização, levando ao surgimento de facções onde pequenos grupos se digladiam mutuamente, menos interessados em chegar ao consenso ou à verdade, e mais com o propósito de abater a facção de opinião concorrente.

Não reconhecendo em si autoridade para deliberar sobre os temas da sociedade, o homem comum da tradição católica também não se reconhece responsabilidade nesse debate. Por isso, nesta guerra de opinião entre facções, a prazo todas as armas acabam por ser válidas para abater o inimigo, como o insulto, a insinuação a injúria e até a ameaça. É assim que num país de tradição católica, o debate público termina invariavelmente numa algazarra, onde uma espécie de Lei de Gresham faz submergir toda a boa opinião por um ruído ensurdecedor de opiniões contestatárias, e onde os participantes acabam invariavelmente a depreciar-se uns aos outros, a denegrir-se, quando não mesmo a insultar-se.

Na realidade, num país de tradição católica, a melhor forma de destruír uma boa ideia ou um projecto que beneficie genuinamente a sociedade é colocá-lo à discussão pública. É certo que a ideia ou o projecto sairão paralisados no meio da mais vasta discórdia, senão mesmo desacreditados para além de toda a reparação. Imaginar que num país de tradição católica, a democracia pode alguma vez funcionar como o governo por opinião - como acredita e pratica a tradição protestante - não passa, por isso, de uma ilusão.

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