Naquela altura, discotecas mais sexys que Economia de Lisboa e Porto - as duas únicas que existiam na área - provavelmente não havia, excepto talvez as de Direito em Coimbra e Lisboa.
Foi uma verdadeira refrega, como o José Manuel conta abaixo - o nome da cadeira de História Económica - uma refrega que nos fazia vibrar intensamente, professores e alunos, todos lutando por ela. Fazia-nos sonhar durante o dia e a noite inteira, todos a queriam e ninguém a tinha. Na altura, o José Manuel já era assistente, eu era ainda aluno. Ele estava em vantagem. Que inveja que eu tinha dele.
Eu próprio, mais tarde, me tornei assistente de Estatística, mas a minha refrega nunca teve a mesma intensidade, a mesma vibração, o mesmo sentido do desejo ardente, aquele ideal de luxúria que a juventude e os tempos levantavam. A minha refrega era árida, desinspirada, fria, e resumia-se a saber se se chamaria Estatística ou Estatística Económica - em qualquer caso, uma refrega tecnocrática, insípida, uma rotina. Como eu gostaria de ter tido uma refrega como a do José Manuel.
A refrega boa era a dele - a refrega de História Económica. Era ele que a tinha mas todos a desejavam. Eu próprio lhe acenei mais tarde - a ela, que não ao José Manuel, que na altura não havia confusões - com distribuições de probabilidade, estatísticas T de Student, até com o qui-quadrado e os intervalos de confiança, prometi-lhe curtoses, quartis, medianas e desvios-padrões, mas ela nunca me ligou.
Chamou-se primeiro História das Doutrinas Económicas, depois tornou-se mais fina e requintada, História do Pensamento Económico - mais intelectual, erudita e sedutora Cada um de nós sonhava que ela pensava em nós. E nós só pensávamos na refrega - a refrega que havia de a elevar ainda mais aos nossos olhos e também aos nossos sonhos.
Certo dia, ela emergiu uma rainha - uma rainha da refrega -, tinha agora o nome de História da Ciência Económica. Ninguém lhe resistia, bela, ainda por cima uma ciência. Mas ela haveria ainda de subir mais alto. Acabei por tê-la, e mais trezentos colegas, todos ao mesmo tempo, na fase mais vibrante e intensa da refrega, quando ela passou a chamar-se História Crítica da Ciência Económica - agora, ela não era meramente uma ciência, ela própria pensava, sobre ela e criticamente. Na realidade, não havia nada a pensar. Eu não podia desejar mais, nem os meus trezentos colegas. Foi o máximo.
Hoje, diz o José Manuel, que ficou com ela por mais uns anos, depois de eu próprio ter deixado a minha frígida e desinspirada Estatística, ela envelheceu e voltou a chamar-se História do Pensamento Económico. Não faz mal, tudo tem o seu ocaso na vida. Dela, ficou-me na memória a refrega. Que refrega...
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