23 julho 2007

democracia: e porque não exportá-la?

Não deixa de ser curioso – engraçado, até – que aqueles que se dizem incomodados com a ideia da democracia ser essencialmente um sistema de designação e substituição pacífica dos governantes, sejam os mesmos a condenar as intenções neoconservadoras e norte-americanas de exportação do «produto», como recentemente sucedeu no Iraque. Se a democracia é, por si só, a garantia da existência de uma sociedade livre, não se percebe porque não pode ser «exportada». George W. Bush pensa assim (pelo menos, fundamenta assim a sua intervenção no Iraque), e, no começo do século XIX, Napoleão Bonaparte também não disse coisa muito distinta. Habitualmente, nessas circunstâncias, o anti-americanismo primário costuma falar mais alto do que a devoção ao sufrágio universal. Ao ponto de se preferirem – sempre por elevadas razões de «tolerância» cultural e civilizacional, note-se – os despotismos regionais protagonizados por tiranetes invariavelmente mascarados de generais, aos democráticos marines da América do Norte.

Por mim, o facto de ser um método, não retira à democracia valor. Pelo contrário, tratando-se de um método que permite a transição pacífica do poder, ou seja, que garante a paz política, ele tem um valor tão importante que o transforma num princípio estruturante de uma sociedade livre. Como Popper, tão oportunamente aqui recordado por José Manuel Moreira, dizia, «Há somente dois tipos de instituições governamentais: as que possibilitam a transferência de forma pacífica e as outras» (Conjecturas e Refutações). Pertencer ao primeiro grupo, como nos garante a democracia, não é coisa de menor importância para um liberal.

Diferente disso é, porém, o que fazem os governantes com o mandato democrático. Ou melhor, o que os governantes se arrogam no direito de fazer com o mandato que lhes advém do sufrágio universal. É um outro problema e muito distinto do primeiro. Aí, o liberalismo tem de ser muito crítico. Por três razões: a primeira decorre da sua própria natureza, já que o liberalismo é, regressando a Popper, consubstanciado por um conjunto de «normas de avaliação – e, se necessário, para a modificação – das instituições vigentes» (idem); em segundo lugar, porque o sufrágio universal não garante a qualidade do exercício do poder («A democracia por si mesma não pode conceder aos cidadãos nenhum benefício», K. Popper, ibidem), mas a possibilidade da mudança tranquila dos seus titulares; em terceiro lugar, porque a defesa da liberdade, mormente da que resulta da limitação do poder soberano do Estado, é muito anterior ao século XX e à generalização do sufrágio universal. Voltaremos oportunamente a este último assunto.

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