16 julho 2007

colabora com dificuldade


"No povo português concorrem duas características que são virtudes das mais altas quando tomadas no todo - isto é, na Nação - mas que não deixam de ter um reverso quando projectadas na vida diária (...) dos agregados políticos e sociais. Refiro-me ao extremado sentido individualista do português e à sua generosidade de alma.

Aquele leva-o a retrair-se perante toda a tentativa de alinhamento comunitário, em que as suas convicções sobre as coisas e as pessoas haveriam de subordinar-se à acção de uma minoria dirigente. É inevitável criar-se uma espécie de desconfiança perante a autoridade (...). Daí resultam não poucas contradições na maneira de ser dos portugueses (...): profundamente católico, quando religioso, o português é ao mesmo tempo anticlerical; estudioso e cumpridor, não respeita, por princípio, o mestre; altamente competente quando profissional, tem dificuldade em adaptar-se ao trabalho de conjunto.

No círculo do seu viver quotidiano, cada português tem conceitos próprios que diferem dos do seu vizinho, num pormenor que poderá ser secundário mas é quase sempre bastante para impedir que se dêem as mãos no mesmo esforço. Este traço do carácter português dá às nossas gentes apurado sentido crítico...(mas) ao mesmo tempo lhes reduz as proporções e provoca a observação arguta, quase sempre com acento nos aspectos negativos das pessoas e das coisas.

Na prática, e em termos de vida política, isto significa que o povo português, a menos que reconheça a presença do ideal nacional, colabora com dificuldade. Aí se encontra, creio, a explicação primordial do inêxito do partidarismo político em Portugal."
(Salazar, 1963, in M. C. Henriques e G.S. Mello (org.), op. cit., pp.63-64)

Sem comentários: