Aqueles autores, que nomeei em post anterior, e que são frequentemente considerados os mais ilustres representantes do liberalismo moderno, decidiram fazer ciência social omitindo deliberadamente de toda a consideração a única ideia de que não poderiam prescindir, aquela sem a qual nenhuma sociedade alguma vez existiu, a ideia cuja realidade está à vista de todos em cada aldeia, vila ou cidade de qualquer país do mundo, nas suas igrejas, nas suas capelas, nos seus santuários e na maior parte dos seus monumentos. Refiro-me à ideia de Deus.
Decidindo amputar a sociedade da ideia que a torna possível, e sem a qual nenhuma sociedade jamais existiu, eles ficaram escravos do seu próprio preconceito e acabaram a fazer ciência de uma sociedade impossível. Eu estou hoje, na realidade, convencido que o liberalismo daqueles autores, quando levado às suas últimas consequências, é uma utopia que conduz à violência. Que eles sejam tomados como os expoentes do liberalismo moderno não pode ser senão uma ironia.
Todas as sociedades exigiram um Deus, e uma sociedade liberal, essa, exige um Deus particular - um Deus benevolente, que queira igualmente bem a todos os homens, um Deus que seja Ele próprio livre e, portanto, um Deus que seja um juiz imparcial entre todos os homens e que possa, por isso, impor a cada homem a obrigação de não fazer aos outros aquilo que não gostaria que lhe fizessem a ele.
O Deus cristão satisfaz todas estas exigências, sendo capaz de assegurar, de forma benevolente, o ideal de justiça - que é imparcialidade - e protegendo cada homem dos abusos de todos os outros homens. Por isso, aos meus olhos, Cristo foi reconhecidamente o primeiro liberal e o ideal de liberdade é, em primeiro lugar, um ideal cristão. Pelo contrário, do Deus judaico - ou da ideia que os judeus têm de Deus - não se pode nunca esperar a liberdade - excepto para eles. Daí a minha desconfiança anunciada em relação ao liberalismo proveniente de autores de tradição judaica.
A Igreja Católica é talvez a única instituição na história da humanidade que procurou construir na Terra uma réplica humana de Deus, na figura do Papa. A empresa era de tal modo exigente que ninguém poderia esperar que ela se realizasse sem grandes dificuldades, muitos desvios, e enormes decepções. Porém, dificilmente alguém ousaria questionar a grandeza do ideal figurado no Papa - a sua bondade, a sua liberdade e a sua imparcialidade, a tal ponto que eu próprio já escrevi aqui que, se alguma vez fosse acusado de um crime que não cometi e me fosse dada a graça de ser eu próprio a escolher o juiz, eu não hesitaria na resposta - o Papa da Igreja Católica.
Este homem, representando Deus na Terra, é o homem mais livre do Mundo e aquele que em melhor posição se encontra para assegurar a liberdade. Compare-se o Papa com uma grande figura do Estado português, o Presidente do Tribunal Constitucional, de quem o Euroliberal, num comentário ao post os perigos da democracia diz que se tornou conhecido "por ter decidido que a imparcialidade de um tribunal não era um princípio absoluto (...) e que, portanto, um tribunal podia ser parte e juiz no mesmo processo".
Alguém acredita que, com uma cultura cívica e jurídica destas - em oposição à cultura religiosa do Papa -, Portugal alguma vez poderá vir a ser de novo um país de homens e mulheres livres?
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