Num post abaixo, eu citei o historiador inglês Lord Acton, contrastando duas concepções de liberdade e salientando que uma delas conduz à opressão, enquanto a outra é a única que impede que o interesse colectivo se sobreponha aos direitos individuais.
A citação completa é a seguinte: "A noção católica, definindo liberdade, não como o poder de cada um fazer aquilo que quer, mas como o direito de cada um fazer aquilo que deve ser feito, impede que o interesse colectivo se sobreponha aos direitos individuais".
Neste post, eu pretendo demonstrar esta tese. Faço-o, por simplicidade, no seio da mais elementar de todas as sociedades humanas - a família - afim de que o esforço de abstracção exigido seja menor e a clareza desejavelmente maior. Pretendo, em seguida, ir mais longe, para mostrar que a liberdade não existe sem autoridade.
Considero, em primeiro lugar, uma família com três filhos, pai e mãe. A concepção de liberdade prevalecente nesta família é a primeira mencionada por Lord Acton, segundo a qual cada um tem a faculdade de fazer aquilo que quer, uma faculdade só limitada pela faculdade que é igualmente reconhecida a todos os outros de fazerem aquilo que querem - a noção de liberdade às vezes traduzida na ideia de que a liberdade de cada um termina onde começa a do outro.
Quem já criou uma família, e sobretudo tratando-se de rapazes, sabe como é normal a tendência do irmão mais velho - o big brother - para bater nos mais novos, ou assediá-los de outra forma (v.g., tirando-lhes os brinquedos, metendo-lhes medo, etc.), e assim acontece nesta família. O irmão mais velho, seguindo a concepção de liberdade prevalecente na família, reconhece aos outros igual direito de lhe baterem a ele, mas quando o confronto se esboça, a sua superioridade física prevalece e, invariavelmente, é ele a submeter os irmãos mais novos.
O pai desta família possui a mesma concepção de liberdade e, por isso, não apenas permite a opressão do filho mais velho sobre os mais novos, como ele próprio, por vezes, agride a mulher, embora reconhecendo a ela igual direito de o agredir a ele. Porém, quando o confronto ocorre, é ele que prevalece, submetendo a mulher.
Nesta família não existe liberdade nenhuma - certamente que não para os dois filhos mais novos e para a sua mãe. Para já, só existe liberdade para o pai e para o filho mais velho, mas este último em breve vai aprender também aquilo a que conduz o seu conceito de liberdade. No dia em que ele se confrontar com o pai é a força física deste último que vai prevalecer e ele próprio será submetido. Esta família está agora completamente oprimida pela tirania do mais forte.
É certo que, nesta altura, pode entrar o legislador - fazendo leis que impeçam o marido de bater na mulher, o pai de bater nos filhos e o irmão mais velho de bater nos mais novos - e também o Estado com o seu poder de coerção para fazer respeitar essas leis. O ponto importante a notar, porém, é o de que estas leis só são necessárias porque esta sociedade (família) não é nada liberal e não seriam necessárias de todo, como procurarei demonstrar a seguir, se esta sociedade (família) fosse liberal.
Na verdade, a necessidade e a multiplicidade das leis numa sociedade é consequência directa - e está na proporção - da sua falta de liberdade. Não são as leis que fazem uma sociedade liberal. É uma sociedade iliberal que torna as leis e o Estado necessários.
Considero agora uma outra família, também com três filhos, mais pai e mãe. A única diferença em relação à família anterior é que nesta família prevalece a segunda concepção de liberdade mencionada por Lord Acton, a saber, a de que a liberdade é o direiro de cada um a fazer aquilo que deve ser feito.
Num dia em que o irmão mais velho bate nos mais novos, estes queixam-se ao pai, e este tem agora um problema para resolver: ou deixar que a situação permaneça ou impedir que o filho mais velho abuse os mais novos.
O economista liberal Friedrich Hayek diria que, para resolver esta questão, o pai se deve socorrer da tradição, do código moral que a sociedade foi evoluindo ao longo dos séculos. E o código moral da sociedade ocidental é, predominantemente, o código moral do cristianismo, o qual indica ao pai a solução, que é a de impedir que o filho mais velho e mais forte trate mal os irmãos mais novos e, por isso, mais fracos.
O pai assim faz. O filho mais velho é castigado e severamente avisado de que não serão tolerados mais abusos sobre os seus irmãos mais novos. Este pai tomou uma decisão de consciência, fez aquilo que deve ser feito de acordo com o código moral da sua civilização - daí a definição de Alexandre Herculano, citada em post abaixo, segundo a qual "a liberdade é a verdade da consciência, como Deus".
Não apenas este pai se comportou como um homem livre - fazendo aquilo que deve ser feito - como vai contribuir para que a sua família seja uma família de pessoas livres. Doravante, nenhum dos seus filhos abusará qualquer dos outros. Ele próprio dá o exemplo tratando bem os seus filhos e a sua mulher, e recebe reciprocidade da parte de todos eles. Esta é uma família de pessoas livres. Esta família, ao contrário da anterior, não precisa de leis para nada - leis que impeçam o pai de bater na mãe e o irmão mais velho de bater nos mais novos -, nem de Estado que faça cumprir essa leis.
Mas esta família só forma uma sociedade livre porque possui uma autoridade, protagonizada pelo pai (embora esta autoridade pudesse ser protagonizada pela mãe ou por ambos) a qual, em primeiro lugar, impediu o filho mais velho de maltratar os mais novos.
A citação completa é a seguinte: "A noção católica, definindo liberdade, não como o poder de cada um fazer aquilo que quer, mas como o direito de cada um fazer aquilo que deve ser feito, impede que o interesse colectivo se sobreponha aos direitos individuais".
Neste post, eu pretendo demonstrar esta tese. Faço-o, por simplicidade, no seio da mais elementar de todas as sociedades humanas - a família - afim de que o esforço de abstracção exigido seja menor e a clareza desejavelmente maior. Pretendo, em seguida, ir mais longe, para mostrar que a liberdade não existe sem autoridade.
Considero, em primeiro lugar, uma família com três filhos, pai e mãe. A concepção de liberdade prevalecente nesta família é a primeira mencionada por Lord Acton, segundo a qual cada um tem a faculdade de fazer aquilo que quer, uma faculdade só limitada pela faculdade que é igualmente reconhecida a todos os outros de fazerem aquilo que querem - a noção de liberdade às vezes traduzida na ideia de que a liberdade de cada um termina onde começa a do outro.
Quem já criou uma família, e sobretudo tratando-se de rapazes, sabe como é normal a tendência do irmão mais velho - o big brother - para bater nos mais novos, ou assediá-los de outra forma (v.g., tirando-lhes os brinquedos, metendo-lhes medo, etc.), e assim acontece nesta família. O irmão mais velho, seguindo a concepção de liberdade prevalecente na família, reconhece aos outros igual direito de lhe baterem a ele, mas quando o confronto se esboça, a sua superioridade física prevalece e, invariavelmente, é ele a submeter os irmãos mais novos.
O pai desta família possui a mesma concepção de liberdade e, por isso, não apenas permite a opressão do filho mais velho sobre os mais novos, como ele próprio, por vezes, agride a mulher, embora reconhecendo a ela igual direito de o agredir a ele. Porém, quando o confronto ocorre, é ele que prevalece, submetendo a mulher.
Nesta família não existe liberdade nenhuma - certamente que não para os dois filhos mais novos e para a sua mãe. Para já, só existe liberdade para o pai e para o filho mais velho, mas este último em breve vai aprender também aquilo a que conduz o seu conceito de liberdade. No dia em que ele se confrontar com o pai é a força física deste último que vai prevalecer e ele próprio será submetido. Esta família está agora completamente oprimida pela tirania do mais forte.
É certo que, nesta altura, pode entrar o legislador - fazendo leis que impeçam o marido de bater na mulher, o pai de bater nos filhos e o irmão mais velho de bater nos mais novos - e também o Estado com o seu poder de coerção para fazer respeitar essas leis. O ponto importante a notar, porém, é o de que estas leis só são necessárias porque esta sociedade (família) não é nada liberal e não seriam necessárias de todo, como procurarei demonstrar a seguir, se esta sociedade (família) fosse liberal.
Na verdade, a necessidade e a multiplicidade das leis numa sociedade é consequência directa - e está na proporção - da sua falta de liberdade. Não são as leis que fazem uma sociedade liberal. É uma sociedade iliberal que torna as leis e o Estado necessários.
Considero agora uma outra família, também com três filhos, mais pai e mãe. A única diferença em relação à família anterior é que nesta família prevalece a segunda concepção de liberdade mencionada por Lord Acton, a saber, a de que a liberdade é o direiro de cada um a fazer aquilo que deve ser feito.
Num dia em que o irmão mais velho bate nos mais novos, estes queixam-se ao pai, e este tem agora um problema para resolver: ou deixar que a situação permaneça ou impedir que o filho mais velho abuse os mais novos.
O economista liberal Friedrich Hayek diria que, para resolver esta questão, o pai se deve socorrer da tradição, do código moral que a sociedade foi evoluindo ao longo dos séculos. E o código moral da sociedade ocidental é, predominantemente, o código moral do cristianismo, o qual indica ao pai a solução, que é a de impedir que o filho mais velho e mais forte trate mal os irmãos mais novos e, por isso, mais fracos.
O pai assim faz. O filho mais velho é castigado e severamente avisado de que não serão tolerados mais abusos sobre os seus irmãos mais novos. Este pai tomou uma decisão de consciência, fez aquilo que deve ser feito de acordo com o código moral da sua civilização - daí a definição de Alexandre Herculano, citada em post abaixo, segundo a qual "a liberdade é a verdade da consciência, como Deus".
Não apenas este pai se comportou como um homem livre - fazendo aquilo que deve ser feito - como vai contribuir para que a sua família seja uma família de pessoas livres. Doravante, nenhum dos seus filhos abusará qualquer dos outros. Ele próprio dá o exemplo tratando bem os seus filhos e a sua mulher, e recebe reciprocidade da parte de todos eles. Esta é uma família de pessoas livres. Esta família, ao contrário da anterior, não precisa de leis para nada - leis que impeçam o pai de bater na mãe e o irmão mais velho de bater nos mais novos -, nem de Estado que faça cumprir essa leis.
Mas esta família só forma uma sociedade livre porque possui uma autoridade, protagonizada pelo pai (embora esta autoridade pudesse ser protagonizada pela mãe ou por ambos) a qual, em primeiro lugar, impediu o filho mais velho de maltratar os mais novos.
10 comentários:
Quanto à moral, apenas faltou o prefixo "judaico-cristã"!
Brilhante texto, como sempre!
J.
Homilia excelente. O Sr. Pedro Arroja quando é que dá missa? Sobe ao alto da montanha ou fica ao mesmo nível dos fiéis das Testemunhas de Jeová? Ou discursa na Igreja Evangelista? Na Igreja Universal do Reino de Deus de certeza que não é.
Já agora, porque é que Caim matou Abel?
Um chorrilho de disparates. Se a família fosse liberal e liberta da moral judaico-cristã, os dois filhos mais novos juntar-se-iam e davam uma tareia no mais velho. Já para não dizer que as famílias não são impermeáveis: é sempre possível ir buscar ajuda fora, e se não for nas leis poderá ser na força bruta dos amigos.
Caro Pedro Arroja,
Seja bem vindo de volta!
Caro Rui Albuquerque,
Parabéns pelos "tomates" de dar espaço ao PA. Vai garantir audiências e muito insulto mas, estou certo, tb muitas discussões inteligentes.
Lopes
"A noção católica, definindo liberdade, não como o poder de cada um fazer aquilo que quer, mas como o direito de cada um fazer aquilo que deve ser feito, impede que o interesse colectivo se sobreponha aos direitos individuais".
Foi assim que a Inquisição ao fazer aquilo que achava que devia ser feito se sobrepôs aos direitos individuais e fe-lo de acordo
"com o código moral (catolico) da sua civilização"
Este homem existe?
Em que século viverá?
Haverá mulher e filhos que o aturem?
Será que procura notoriedade pelo disparate qual cantor pimba?
Boa tarde. Já sentia a sua falta.
Soube da sua existência, via Blasfémias.
Ainda bem que voltou.
henrique
A demonstração através de exemplos, necessariamente incompletos, não é muito elucidativa.
Para a moral cristã é suposto o amor ao próximo como a forma mais complete do amor a Deus.
Se todos, na família se amarem verdadeiramente, não me parece necessária a autoridade do Pai. Mesmo no caso de uma agressão - motivada pela falta de maturidade, por exemplo, o amor que une os membros da família, rapidamente ultrapassaria a situação sem necessidade de castigos. A compreensão do erro é bastante.
O problema que o Dr. Arroja coloca só é pertinente se aceitarmos o suposto de uma natureza egoísta no filho mais velho - e porque não nos restantes membros da família?
Mas se este domínio sobre os mais novos for agradável aos pais que assim vêem mais descansadamente a telenovela ou o futebol, isso queria dizer apenas que a autoridade estaria a ser exercida pelo filho mais velho, de acordo com os interesses egoístas dos pais. A tirania não é mais complicada do que isto.
De onde viria, então, esse sentido do dever que, segundo o Dr. Arroja, levaria o Pai a evitar a submissão de parte da família?
Mr Arroja, welcome back.
Mais um brilhante texto dentro da mesma temática com que já nos tinha presenteado no blasfémias. Obrigado.
Fiquei na dúvida se concordo com tudo, mas a tese é excelentemente colocada. Brilhantismo argumentativo e provocatório.
É de facto fascinante como os leitores de Pedro Arroja não conseguem separar as águas. Não é preciso ser católico ou religioso para ver o bom senso presente neste texto - embora, na verdade, nem sequer seja dos seus mais brilhantes. É apenas a constatação do bom senso: o primado da Lei, que deve existir tanto numa família como numa sociedade. PA até sublinha, no final do texto, que a autoridade poderia ser exercida pela mã ou por ambos...
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