26 junho 2007

tradições

Provavelmente, uma das características mais marcantes da tradição cultural portuguesa é o desprezo que os seus intelectuais nutrem por ela e pelas suas instituições seculares, e a prontidão com que se dispõem a importar qualquer ideia ou instituição estrangeira, mesmo que alheia à sua tradição.

Este traço do carácter nacional, que possui pelo menos três séculos, tem levado gerações sucessivas de portugueses a serem educados com uma espécie de complexo de inferioridade em relação ao estrangeiro. Em consequência desta atitude, a intelectualidade portuguesa ambiciona permanentemente pela modernização do país, mesmo se a modernização nunca significa mais do que legislar para imitar o passado dos países que ela considera avançados. A França, a Inglaterra e, mais recentemente, os EUA têm constituído os modelos por excelência ao longo dos últimos dois séculos. Noutros casos, o país é humilhado pelos estrangeiros na sua cultura e nas suas instituições, sem que a intelectualidade levante um braço em sua defesa, em parte porque ela própria acredita que as tradições e instituições seculares portuguesas não merecem consideração.

Aconteceu assim, recentemente, com o desaparecimento da pequena Madeleine McCann no Algarve. As críticas dirigidas pela imprensa britânica à forma como foi conduzida a investigação tiveram um impacto profundo na opinião pública britânica e internacional, e fizeram Portugal e os portugueses parecerem mal aos olhos do mundo, quando a realidade é que Portugal possui, na sua tradição, soluções para lidar com o rapto de crianças que são muito mais eficazes do que as soluções da Grã-Bretanha e dos demais países anglo-saxónicos. É por esta razão que o rapto de crianças, com o intuito de lhes fazer mal, é um crime muito raro em Portugal e bastante frequente na Grã-Bretanha.

Antes de prosseguir, eu gostaria de reportar a este respeito uma experiência pessoal. Na década de oitenta, vivi durante vários anos num país anglo-saxónico e, em certo momento, considerei ficar a viver lá para sempre. Porém, à medida que os anos foram passando, eu fui conhecendo melhor a cultura anglo-saxónica, e alguns aspectos dessa cultura acabaram por se revelar sob a forma de um choque. Um deles foi o rapto de crianças.


Em determinada altura eu e a minha mulher, que tínhamos então dois filhos pequenos, apercebemo-nos dos avisos nas rádios e nos jornais para os pais exercerem uma vigilância apertada sobre os seus filhos, sempre que saíam com eles. Várias crianças tinham vindo a desaparecer dos espaços recreativos destinados às crianças em supermercados e centros comerciais, enquanto os pais faziam as compras.

A partir daí, sempre que saíamos, enquanto a minha mulher fazia as compras, eu seguia atrás, um filho bem seguro em cada mão, e olhando frequentemente por cima do ombro. Certo dia, num centro comercial, um homem que - provavelmente, de forma acidental - seguia atrás de nós havia já alguns minutos, chegou a causar-nos pânico, levando-me a puxar bruscamente os meus filhos contra contra o meu corpo, e protegendo-os com as mãos, enquanto a minha mulher avançava contra mim, deixando as crianças ensanduichadas entre os dois.

Deixar as crianças irem brincar sozinhas para a rua ou para o jardim, sem serem acompanhadas, estava totalmente fora de questão. E, no entanto, eu e a minha mulher tínhamos sido educados em Portugal, no centro de Lisboa, e alguns dos melhores momentos da nossa criancice tinham sido passados a brincar com as outras crianças na rua, ou na praia, e só remotamente vigiados pelos nossos pais.

A insegurança que sentíamos em relação à protecção dos nossos filhos acabou por ser uma factor na nossa decisão de regressar definitivamente a Portugal. Em Portugal, os nossos filhos passaram a ir brincar para a rua com as outras crianças como sempre foi normal, e até iam sozinhos ao supermercado mais próximo fazer alguma compra que era necessária para a casa. Nunca mais nos passou pela cabeça que eles pudessem ser raptados, uma preocupação que era permanente enquanto vivíamos no referido país anglo-saxónico.

No caso da pequena Madeleine, a imprensa britânica focou dois aspectos. Primeiro, aquilo que ela considerou a relativa ineficiência da nossa polícia. Em segundo lugar, aquilo que ela considerou uma extraordinária manifestação de solidariedade e carinho da "local community". A imprensa britânica referia-se aqui a todas aquelas pessoas da Praia da Luz e arredores, homens e mulheres de todas as idades, que dias a fio choraram pelo desaparecimento da criança, ofereceram flores aos pais, mandaram rezar missas sem fim e que, do nascer ao pôr do sol, a procuraram por todos os recantos. Na Inglaterra, uma manifestação de solidariedade e empenho com esta dimensão e esta duração por parte da comunidade local seria de todo impensável.

Porém, é precisamente aqui, na acção desta comunidade local mobilizada para um crime que ela considera de todo inaceitável, que reside a superioridade da nossa tradição a lidar com raptos de crianças em relação à tradição britânica.

A imprensa britânica tem provavelmente razão quando afirma que a nossa polícia é menos eficiente que a polícia britânica. Afinal, todos os serviços públicos portugueses são provavelmente menos eficientes que os serviços públicos britânicos. Porém, também é provavelmente verdade que as "local communities" britânicas são menos eficientes a tratar de raptos de crianças do que as comunidades locais portuguesas.

Se, em Inglaterra, no decurso das suas buscas, a "local community" apanhasse o raptor, chamava logo a polícia, que provavelmente iria aparecer imediatamente de helicóptero e com agentes armados até aos dentes e coletes à prova de bala, levando o raptor algemado para a esquadra, lendo-lhe a carta de todos os direitos humanos que lhe cabia invocar na situação, e entregando-o depois em tribunal, o qual, no espaço de um ou dois meses, o condenava a uma pena de sete a dez anos de cadeia.

A comunidade local da Praia da Luz, aquele grupo de mulheres vestidas de negro e ar choroso, algumas permanentemente a rezar, mais os seus homens de barba por fazer e olhos inchados pelo cansaço, actuariam de maneira muito diferente se deitassem a mão ao raptor. Sabendo que a polícia portuguesa é comparativamente menos eficiente que a britânica, e os seus tribunais demoram anos a resolver qualquer assunto, a primeira preocupação da população local não seria entregar o raptor à justiça. Seria, pelo contrário, e muito provavelmente, dar-lhe uma sova de dimensões grandiosas, de tal modo que não é certo que ele saísse dali com vida.

É por isso que, em Portugal e nos países de tradição católica, os crimes de rapto de crianças são muito mais raros do que na Inglaterra e nos países de tradição protestante. Mesmo se as polícias e os tribunais são consideravelmente menos eficientes.

8 comentários:

Eduardo disse...

Enquanto lia, estava a achar o post completamente ridículo e incaracterístico. Quando cheguei ao último parágrafo, pensei: o Rui A. deve estar drogado. Só depois vi a assinatura. Está tudo explicado. Gostava de ver a mesma explicação aplicada ao Brasil, um país católico, onde milhares de crianças são raptadas, enfim, já para não falar de outros crimes e da violência generalizada. Vamos ver quanto tempo Rui A. suporta Pedro Arroja.

Anónimo disse...

O Brasil, um país católico? Mas o Brasil não é uma ilhota protestante e anglo-saxónica ao largo de Inglaterra, como a Colômbia? O senhor Manuel deve estar enganado.

esculpices disse...

Linchagem, linchamento ou lei de Lynch é o assassinato de um indivíduo... por uma multidão.
Enquanto Dionísio aprova e organiza a linchagem da vítima única, Jesus e os Evangelhos desaprovam-no. R. Girard, que mais do que ninguém estudou esta relação perturbada, conclui que « longe de derivar dum preconceito em favor dos fracos contra os fortes, a tomada de posição evangélica é a resistência heróica duma pequena minoria que ousa opor-se ao gregarismo monstruoso da linchagem dionisíaca».

A Chata disse...

Será que o código de moral católica aprova essas tradições de linchamento público?

Pensando bem, talvez...
Fazia-se uma fogueirita e, mesmo sem apurar se o suposto criminoso o era na realidade, atirava-se com ele para o meio do lume.
Se, por acaso, se viesse a descobrir que afinal o infeliz não tinha nada a ver com o assunto, uns séculos depois reconhecia-se vagamente o erro e a tradição mantinha-se...

rduarte disse...

Sempre em grande Pedro. Muito obrigado por não esquecer quem o gosta de ler.

Anónimo disse...

Também digo, ó rduarte. Muito obrigado por não esquecer quem gosta de o ler, ó Pedro Arroja. Já tinha saudades das suas pérolas. Esta última, da falta de raptos nos paises católicos é o máximo.

lusitânea disse...

Gostei de o ler PA

Anónimo disse...

o pedro arroja tem a capacidade de escrever as coisas mais ridículas, com a pose mais séria...
é verdadeiramente hilariante!
este homem não terá limites?