Excluindo a vontade presumida de quem já a não consegue declarar, ou a vontade declarada com muito tempo de antecedência e sem possibilidade de confirmação, não vejo com facilidade, caro Carlos, que um liberal, defensor do direito de propriedade como direito absoluto e o direito ao corpo como o primeiro de todos (Rothbard), possa defender a proibição legal da eutanásia.
A não ser que se distinga o direito à vida do direito à propriedade do corpo, terminando este quando puser aquele em causa. Só que isto abre-nos um campo quase ilimitado de possibilidades, que podem ir até proibicionismo mais absurdo da utilização de quaisquer substâncias nocivas à saúde, como o tabaco e o álcool, para já não falar nas drogas.
Por outro lado, não deixa de ser razoável, do ponto de vista liberal, a condenação jurídico-penal da eutanásia por razões de convicção religiosa. Se um liberal entender que a vida tem origem transcendente, então, a possibilidade de a fazer terminar por um acto humano voluntário e intencional não pode ser equacionada. Aí, todavia, há que ser coerente e reconhecer a anterioridade de Deus sobre os homens (o que é pressuposto num crente), bem como condenar todos os tipos de guerra, a pena de morte, etc. E, também, admitir limitações à liberdade individual em nome de alguns ditames religiosos.
Por último, as razões de ordem moral. Se a entendermos, à moral, como o conjunto de regras de justa conduta (Hayek), que vão sendo geradas pela interacção social e apuradas pelo tempo, a morte voluntária e consentida de um ser humano, mesmo em casos extremos, não será nunca um acto moral. Ainda que se discuta se é moralmente mais degradante ver um ser humano sofrer no limite do que é humanamente possível, ou permitir que decida terminar a sua vida com alguma dignidade. Porém, mesmo aqui é necessário decidir se a lei deve reflectir as convicções morais da sociedade, e se deve transpô-las para juízos normativo-criminais. Por outras palavras, se a moral deve limitar o direito de propriedade.
Por mim, que continuo sem ter posição assente, continuo a pensar que o tema é difícil de tratar com os quadros habituais do liberalismo clássico. Uma coisa, porém, parece-me evidente: não é assunto que deva referendar-se, até porque, pelo menos por enquanto, não tem a relevância social que o justifique, ao contrário do que sucedeu com o aborto.
A não ser que se distinga o direito à vida do direito à propriedade do corpo, terminando este quando puser aquele em causa. Só que isto abre-nos um campo quase ilimitado de possibilidades, que podem ir até proibicionismo mais absurdo da utilização de quaisquer substâncias nocivas à saúde, como o tabaco e o álcool, para já não falar nas drogas.
Por outro lado, não deixa de ser razoável, do ponto de vista liberal, a condenação jurídico-penal da eutanásia por razões de convicção religiosa. Se um liberal entender que a vida tem origem transcendente, então, a possibilidade de a fazer terminar por um acto humano voluntário e intencional não pode ser equacionada. Aí, todavia, há que ser coerente e reconhecer a anterioridade de Deus sobre os homens (o que é pressuposto num crente), bem como condenar todos os tipos de guerra, a pena de morte, etc. E, também, admitir limitações à liberdade individual em nome de alguns ditames religiosos.
Por último, as razões de ordem moral. Se a entendermos, à moral, como o conjunto de regras de justa conduta (Hayek), que vão sendo geradas pela interacção social e apuradas pelo tempo, a morte voluntária e consentida de um ser humano, mesmo em casos extremos, não será nunca um acto moral. Ainda que se discuta se é moralmente mais degradante ver um ser humano sofrer no limite do que é humanamente possível, ou permitir que decida terminar a sua vida com alguma dignidade. Porém, mesmo aqui é necessário decidir se a lei deve reflectir as convicções morais da sociedade, e se deve transpô-las para juízos normativo-criminais. Por outras palavras, se a moral deve limitar o direito de propriedade.
Por mim, que continuo sem ter posição assente, continuo a pensar que o tema é difícil de tratar com os quadros habituais do liberalismo clássico. Uma coisa, porém, parece-me evidente: não é assunto que deva referendar-se, até porque, pelo menos por enquanto, não tem a relevância social que o justifique, ao contrário do que sucedeu com o aborto.
2 comentários:
Francamente oportuno.
De regresso, a voltar, um abraço.
Caro Rui,
Não defendi (creio que pelo contrário) a proibição legal da eutanásia, ressalvadas as questões relativas à manifestação da vontade, dado o carácter absolutamente irrevogável da decisão uma vez posta em prática.
Não me parece, todavia, razoável que um liberal, ainda que crente na transcendência da vida, possa reclamar a condenação jurídico-penal da eutanásia. Tal entendimento implicaria, para um tal liberal, pretender impor a terceiros as suas convicções religiosas, o que me parece contraditório com o liberalismo, pelo menos como eu o vejo.
Mesmo entendendo-se a eutanásia como um acto imoral (inclusive na perspectiva da moral dominante numa dada sociedade) duvido muito que os fins do Direito justifiquem a recepção daquele entendimento moral por este, pelo menos no plano jurídico-penal. Não seria necessário reconhecer-se "um direito à eutanásia", à semelhança do "direito ao aborto", como um direito social, custeado pelos contribuintes (aqui sim, haveria a imposição de um comportamento imoral, que o Direito não pode ou não deve impor), mas uma simples não proibição legal. É que, ao contrário de muitos outros comportamentos contrários à moral ou a convicções religiosas, não vejo aqui que outros direitos ou interesses alheios possam ser postos em causa, de modo a justificar a intervenção do Direito (intervenção que há-de efectuar-se em obediência aos seus fins próprios, distintos dos da moral).
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