22 junho 2007

eutanásia, liberalismo e moral

Tornar legal um comportamento, ou um acto, representará sempre, pelo menos, um estímulo indirecto à sua prática. Isto é tanto verdade para a eutanásia, como salienta correctamente o Tiago Mendes, como o é para o aborto, para o consumo de drogas, de álcool, de tabaco, ou de outras substância nocivas à saúde das pessoas.
Mas, também, não deixa de ser verdadeiro que, em todos estes comportamentos, o que está verdadeiramente em causa é a pessoa do agente que os pratica, pelo menos na primeira linha dos interesses e dos direitos lesados. Por isso, aparentemente, o Tiago tem razão quando diz que, no plano teórico, um liberal não pode ter a veleidade de «querer proibir a eutanásia alheia». Na verdade, obedecendo ao velho adágio liberal de que a liberdade individual deve cessar se, e só se, colidir com a liberdade dos outros, aparentemente, repito, parece que, neste caso, isso não se verifica.
Sucede, todavia, que o liberalismo é uma filosofia, que inevitavelmente comporta uma dimensão moral da existência humana. Para a maior parte dos autores liberais, realçando Hayek e Mises, as normas da moral são as que representam os princípios e valores mais adequados à vida humana, individual e socialmente considerada, e que vão sendo apurados pela interacção dos indivíduos em sociedade, e transmitidas pela tradição. Consistem, por isso, nos melhores procedimentos comportamentais, que acabam por transformar-se em «regras de justa conduta», quase inquestionáveis, em verdadeiros valores morais. Quando os liberais defendem intransigentemente a propriedade, a segurança e a liberdade, fazem-no porque eles são valores que têm uma dimensão metajurídica, pertencem ao elenco dos direitos naturais dos homens, e possuem, por isso, uma dimensão moral inquestionável.
Ora, nesta perspectiva da moral individual e social, a vida é o primeiro de todos os valores: ela precede todos os outros direitos, que só se justificam, na sua maioria, enquanto ela se mantém. Acresce ainda, e por outro lado, que o instinto de conservação, de conservação da vida, claro está, é inato a muitas espécies animais, entre elas a humana. É por esta razão que a vontade de morrer, de pôr voluntariamente termo à vida, não é natural, porque colide com o mais elementar instinto da nossa espécie. Por isso, repugna mais, na defesa de valores, o suicídio do que o homicídio, já que o resultado deste é diferente da vontade da vítima, que não deseja morrer, enquanto que no primeiro é a própria vontade de anulação do mais elementar instinto da espécie que está em causa.
É claro que a eutanásia não é o mesmo que suicídio. O desejo de pôr fim à vida deve-se, no primeiro caso, a circunstâncias externas à vontade do próprio, que a tornaram insuportável. Por essa razão, é que a eutanásia não tem resposta fácil: ela resulta do sofrimento humanamente insuportável que leva ao desejo de lhe pôr termo, e não exactamente da vontade de morrer. Deverá a lei proibi-la, aceitá-la, ou esquecê-la, eis a questão. Para a qual, julgo, os liberais não terão uma resposta unívoca: ela poderá variar, pelo menos, conforme se privilegie a liberdade individual ou a moral. Como vimos, nem uma nem outra lhes são estranhas ou indiferentes.

1 comentário:

Anónimo disse...

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