Nesta animada troca de comentários com o Paulo Pinto Mascarenhas sobre a natureza e a utilidade do liberalismo, eu gostaria de acrescentar mais duas notas, assumindo o solene compromisso de não o voltar a maçar com o assunto nos próximos vinte anos. São elas as seguintes:
1. Construtivismo. Faz parte do património filosófico do liberalismo clássico a negação do construtivismo social e político. Hayek analisou bem esta doutrina social, que é verdadeiramente transversal a inúmeras ideologias políticas, dos vários socialismos, ao fascismo, do historicismo e do positivismo sociológico, ao intervencionismo neoclássico keynesiano. Na prática, para não nos enredarmos excessivamente em teorias, o construtivismo pressupõe a mudança social pelo dirigismo estatal soft ou hard. Que pode ir das sociedades novas e do homem novo das utopias totalitárias, às sociedades igualitárias da redistribuição e dos direitos fundamentais de segunda e terceira geração. O liberalismo não é uma doutrina construtivista, razão pela qual não é uma ideologia: não sugere a construção de uma sociedade nova, nem acredita na transformação vertical dos homens pelo plano e pelo orçamento. É evolucionista, tradicionalista, ordinalista e contratualista: acredita que as modificações sociais devem decorrer do livre jogo da liberdade individual. Por essa razão, é que não pode haver um «programa» liberal ou um partido liberal. O que não significa que os partidos e os governos não possam adoptar medidas liberais: contenção da despesa pública, redução da tributação, diminuição da burocracia e dos sectores de intervenção funcional do governo, privatização da economia e da vida social, etc. Exactamente o contrário do que, infelizmente, os últimos governos de direita que tivemos fizeram.
2. Aplicação do liberalismo aos partidos. Este é um tema que o Paulo tem tratado com especial empenho, e que ele acha merecedor de particular atenção. Eu também penso como ele. E acho mesmo que os partidos deviam ser liberalizados. E dou mesmo algumas sugestões: desblindagem dos estatutos (genericamente mais blindados que os da PT e do projecto de Jardim Gonçalves para o BCP…), redução das estruturas burocráticas (que não das pessoas, note-se) à insignificância política, criação de mecanismos de representação dos candidatos a eleições públicas que ultrapassem a cacicagem dos aparelhos, extinção dos privilégios estatutários das «jotas» e das estruturas «representativas» de classe ou de sexo, limpeza dos cadernos de militantes, eliminando, pelo menos, os mortos há mais de duas décadas, etc. É difícil? Provavelmente. Há muitos interesses instalados que se opõem a isto? Se calhar. Não há nenhum partido em Portugal que o faça? Muito seguramente que não. Mas, enquanto, pelo menos, isto não for feito, não venham cá falar-me em «partidos liberais». Em tendências e alas, ainda posso acreditar. Em «partidos liberais abertos à sociedade» é que, francamente, já é pedir demais. Até porque, isso é que é conversa para anjinhos, caro Paulo.
1. Construtivismo. Faz parte do património filosófico do liberalismo clássico a negação do construtivismo social e político. Hayek analisou bem esta doutrina social, que é verdadeiramente transversal a inúmeras ideologias políticas, dos vários socialismos, ao fascismo, do historicismo e do positivismo sociológico, ao intervencionismo neoclássico keynesiano. Na prática, para não nos enredarmos excessivamente em teorias, o construtivismo pressupõe a mudança social pelo dirigismo estatal soft ou hard. Que pode ir das sociedades novas e do homem novo das utopias totalitárias, às sociedades igualitárias da redistribuição e dos direitos fundamentais de segunda e terceira geração. O liberalismo não é uma doutrina construtivista, razão pela qual não é uma ideologia: não sugere a construção de uma sociedade nova, nem acredita na transformação vertical dos homens pelo plano e pelo orçamento. É evolucionista, tradicionalista, ordinalista e contratualista: acredita que as modificações sociais devem decorrer do livre jogo da liberdade individual. Por essa razão, é que não pode haver um «programa» liberal ou um partido liberal. O que não significa que os partidos e os governos não possam adoptar medidas liberais: contenção da despesa pública, redução da tributação, diminuição da burocracia e dos sectores de intervenção funcional do governo, privatização da economia e da vida social, etc. Exactamente o contrário do que, infelizmente, os últimos governos de direita que tivemos fizeram.
2. Aplicação do liberalismo aos partidos. Este é um tema que o Paulo tem tratado com especial empenho, e que ele acha merecedor de particular atenção. Eu também penso como ele. E acho mesmo que os partidos deviam ser liberalizados. E dou mesmo algumas sugestões: desblindagem dos estatutos (genericamente mais blindados que os da PT e do projecto de Jardim Gonçalves para o BCP…), redução das estruturas burocráticas (que não das pessoas, note-se) à insignificância política, criação de mecanismos de representação dos candidatos a eleições públicas que ultrapassem a cacicagem dos aparelhos, extinção dos privilégios estatutários das «jotas» e das estruturas «representativas» de classe ou de sexo, limpeza dos cadernos de militantes, eliminando, pelo menos, os mortos há mais de duas décadas, etc. É difícil? Provavelmente. Há muitos interesses instalados que se opõem a isto? Se calhar. Não há nenhum partido em Portugal que o faça? Muito seguramente que não. Mas, enquanto, pelo menos, isto não for feito, não venham cá falar-me em «partidos liberais». Em tendências e alas, ainda posso acreditar. Em «partidos liberais abertos à sociedade» é que, francamente, já é pedir demais. Até porque, isso é que é conversa para anjinhos, caro Paulo.
7 comentários:
"limpeza dos cadernos de militantes, eliminando, pelo menos, os mortos há mais de duas décadas"
:)
"É evolucionista, tradicionalista, ordinalista e contratualista: acredita que as modificações sociais devem decorrer do livre jogo da liberdade individual."
Aqui se vê onde o liberalismo começa a falhar: a manutenção do "status quo". De facto, sem haver um "árbitro", um impulsionador dessas reformas sociais, serão sempre os grandes capitais (fonte de poder) a "ditar as regras". Tentarão, obviamente, manter o seu status e a abusar da sua posição dominante! Aqueles que mais sofrem são também aqueles com menos capacidade para modificar a sociedade... Como em tudo, é necessário um equilíbrio entre a intervenção do Estado (essencial para arbitrar e equilibrar as diferenças sociais) e a livre iniciativa própria, para não tornar o Estado num "grande-irmão", controlador, fonte de inércia e ineficiência...
JDC
Penso que o Estado devia de ter funções meramente administrativas, de gestão dos dinheiros públicos, e reguladoras. Agora, em que teoria política, esfera ideológica, pensamento filosófico ou concepção programática é que esta minha reflexão se enquadra, é que eu não sei.
Tenho gostado imenso de ler estes seus posts sobre o liberalismo, são verdadeiras lições de ciência política.
Os moldes em que se faz a militância partidária, então nem é bom falar.
Se Paulo Portas não pensasse só no exercício imediato do poder, tinha tudo a seu favor para que o PP viesse a ser um grande partido, moderno, "liberal", pró-europeísta. Mas, prefere "o pensar pequeno do pássaro na mão", como refiro no meu post: "Avisos à navegação".
Boa noite, cumprimentos.
"Como em tudo, é necessário um equilíbrio entre a intervenção do Estado (essencial para arbitrar e equilibrar as diferenças sociais) e a livre iniciativa própria"
O problema, meu caro, é que nunca existe equilibrio.
A presença do Estado com o seu monopolio legislativo e da coerção irá sempre desquilibrar qualquer hipótese de "equilibrio", principalmente ee sobretudo ma presença do voto universal (o voto politico - como contrapondo ao voto civil - é uma forma de comunismo).
Esse é desafio e paradoxo que parte dos liberais têm dificuldade em enfrentar.
"A presença do Estado com o seu monopolio legislativo"
De facto, o problema é vermos o Estado como uma Empresa global. Um regime representativo pretende, sublinho, pretende servir e não ser servido. Infelizmente, quando um deputado defende a região porque foi eleito, contrariando algo paradoxal como a "disciplina de voto partidária" (como se os deputados fossem meros fantoches ao serviço dos "iluminados" da chefia dos partidos), dizia, quando vemos um deputado a defender a sua região (como no famoso caso do queijo limiano), a sociedade reprova! Assim, de facto, dificilmente o Estado irá legislar no sentido de actuar em problemas concretos, perdendo-se em macrocefalias de TGV's e Otas, entre outros...
Se não houvesse disciplina partidária, como é que os partidos iam representar as pessoas? Se todos estivessem preocupados em defender a sua região, acho que estávamos todos menos bem.
Rui, eu poderia subscrever este texto. Mas quem é que falou de "partidos liberais abertos à sociedade" (entre aspas)? Se fui eu, estava pouco inspirado. Mace mais que eu gosto de ler.
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