1. O Estado com que Thomas Hobbes sonhou, baseado num poder tão forte quanto a agressividade e a conflitualidade humana, a seu ver, exigiam para as domesticar, existiu e teve expressão histórica nos regimes do despotismo esclarecido. Se, como pensava, a sociedade se encontra numa permanente guerra de «todos contra todos», então só um poder superior ainda mais forte e, se necessário, mais violento do que essa violência social poderia impor ordem e garantir a vida aos cidadãos. Dos vários despotismos esclarecidos que dominaram a Europa setencentista e oitocentista, resultariam as reacções revolucionárias do fim desse ciclo, que ficaram historicamente conhecidas, nem sempre com rigorosa exactidão, como «revoluções liberais».
2. Por sua vez, o «bom-selvagem» de Jean-Jacques Rousseau possuía somente uma dimensão inicial e simbólica, quase bíblica, à semelhança do Adão e da Eva do Paraíso, anteriores ao pecado original que lhes haveria de conferir dimensão social e verdadeiramente humana. Se a vida social desgraça a bondade natural do homem, há que discipliná-la. No caso, através de um poder soberano ilimitado, produto da adição inevitável e paradoxalmente indestrutível, das soberanias individuais. Bem vistas as coisas, nem os pressupostos, menos ainda os resultados, do que pensam Hobbes e Rousseau são muito distintos. Diria, até, que são exactamente iguais.
3. Ora, conceber a vida social como um permanente estado de conflitualidade é um equívoco perigoso. Pelo menos, é-o do ponto de vista liberal, já que o liberalismo assenta na convicção de que o princípio da cooperação racional entre os indivíduos prevalece sobre as suas naturais desavenças. Por essa razão, os liberais preferem a liberdade contratual ao dirigismo estatista, a livre escolha individual à intervenção dos poderes públicos.
4. Da observação científica, nomeadamente aquela a que procederam os etólogos que estudam o comportamento animal, nele se incluindo o comportamento humano, como Lorenz e Eibesfeldt, a racionalidade e a cooperação existem a par da agressividade natural, sendo ambas importantes pulsões sociais. Segundo a perspectiva do consumidor racional, os homens, na sua generalidade, preferem o que lhes é mais vantajoso àquilo que lhes pode trazer mais prejuízo. Desse modo, o conflito traz mais inconvenientes do que a paz, e a dissenção mais prejuízo do que um acordo. Não por acaso, é voz corrente de que vale mãos um mau acordo do que uma boa guerra. O equilíbrio ameaçador da guerra-fria demonstrou-o bem durante muitas décadas.
5. A este propósito, John Locke distinguia o «estado de natureza» do «estado de guerra», considerando este último como uma excepção ao primeiro. Obviamente, como as excepções têm de ser consideradas, os homens abdicaram do seu «estado de natureza» para as tentar eliminar, ou reduzir ao mínimo possível. Daí resultaram um conjunto de poderes públicos, entre eles, e sobretudo, o poder dos magistrados que administram o direito e a justiça, corporizados sob a forma de uma organização política à qual, por conveniência, poderemos denominar por «Estado».
6. Se, de facto, por este último conceito entendermos a organização política da sociedade, ele encontra-se presente em todas as comunidades humanas ao longo da história. Varia na forma, na extensão das funções e competências, e no exercício dos poderes, mas, no essencial – a proclamação de poderes públicos organizados, é constante. Os períodos de excepção em que os poderes públicos são afectados ao ponto de atingirem a quase inexistência, não correspondem a momentos da normal vida em sociedade, mas a estados de guerra quase sempre provocados pelos poderes públicos e não por indivíduos despojados de imperium.
7. Sendo, assim, absolutamente certo que se um indivíduo pode oferecer perigo para a sociedade, subscrevendo parcialmente a perspectiva hobbesiana, então, se esse indivíduo estiver munido de poder público, o perigo que poderá constituir poderá ser infinitamente maior. Efectivamente, se os tribunais estão cheios de criminosos, a História não o estará menos. Os efeitos e as consequências dos actos de uns e de outros é que são incomensuravelmente distintos. Por isso, o liberalismo pugna por um Estado mínimo: por não confiar absolutamente na bondade humana, menos ainda quando ela pode assumir facetas particularmente desagradáveis em função do poder que lhe está confiado.
8. Mínimo, mas Estado, de facto. Ou, se o nome for particularmente incomodativo, digamos antes que o liberalismo não prescinde de uma organização política da sociedade, tão controlada quanto a própria sociedade for capaz de a controlar.
2. Por sua vez, o «bom-selvagem» de Jean-Jacques Rousseau possuía somente uma dimensão inicial e simbólica, quase bíblica, à semelhança do Adão e da Eva do Paraíso, anteriores ao pecado original que lhes haveria de conferir dimensão social e verdadeiramente humana. Se a vida social desgraça a bondade natural do homem, há que discipliná-la. No caso, através de um poder soberano ilimitado, produto da adição inevitável e paradoxalmente indestrutível, das soberanias individuais. Bem vistas as coisas, nem os pressupostos, menos ainda os resultados, do que pensam Hobbes e Rousseau são muito distintos. Diria, até, que são exactamente iguais.
3. Ora, conceber a vida social como um permanente estado de conflitualidade é um equívoco perigoso. Pelo menos, é-o do ponto de vista liberal, já que o liberalismo assenta na convicção de que o princípio da cooperação racional entre os indivíduos prevalece sobre as suas naturais desavenças. Por essa razão, os liberais preferem a liberdade contratual ao dirigismo estatista, a livre escolha individual à intervenção dos poderes públicos.
4. Da observação científica, nomeadamente aquela a que procederam os etólogos que estudam o comportamento animal, nele se incluindo o comportamento humano, como Lorenz e Eibesfeldt, a racionalidade e a cooperação existem a par da agressividade natural, sendo ambas importantes pulsões sociais. Segundo a perspectiva do consumidor racional, os homens, na sua generalidade, preferem o que lhes é mais vantajoso àquilo que lhes pode trazer mais prejuízo. Desse modo, o conflito traz mais inconvenientes do que a paz, e a dissenção mais prejuízo do que um acordo. Não por acaso, é voz corrente de que vale mãos um mau acordo do que uma boa guerra. O equilíbrio ameaçador da guerra-fria demonstrou-o bem durante muitas décadas.
5. A este propósito, John Locke distinguia o «estado de natureza» do «estado de guerra», considerando este último como uma excepção ao primeiro. Obviamente, como as excepções têm de ser consideradas, os homens abdicaram do seu «estado de natureza» para as tentar eliminar, ou reduzir ao mínimo possível. Daí resultaram um conjunto de poderes públicos, entre eles, e sobretudo, o poder dos magistrados que administram o direito e a justiça, corporizados sob a forma de uma organização política à qual, por conveniência, poderemos denominar por «Estado».
6. Se, de facto, por este último conceito entendermos a organização política da sociedade, ele encontra-se presente em todas as comunidades humanas ao longo da história. Varia na forma, na extensão das funções e competências, e no exercício dos poderes, mas, no essencial – a proclamação de poderes públicos organizados, é constante. Os períodos de excepção em que os poderes públicos são afectados ao ponto de atingirem a quase inexistência, não correspondem a momentos da normal vida em sociedade, mas a estados de guerra quase sempre provocados pelos poderes públicos e não por indivíduos despojados de imperium.
7. Sendo, assim, absolutamente certo que se um indivíduo pode oferecer perigo para a sociedade, subscrevendo parcialmente a perspectiva hobbesiana, então, se esse indivíduo estiver munido de poder público, o perigo que poderá constituir poderá ser infinitamente maior. Efectivamente, se os tribunais estão cheios de criminosos, a História não o estará menos. Os efeitos e as consequências dos actos de uns e de outros é que são incomensuravelmente distintos. Por isso, o liberalismo pugna por um Estado mínimo: por não confiar absolutamente na bondade humana, menos ainda quando ela pode assumir facetas particularmente desagradáveis em função do poder que lhe está confiado.
8. Mínimo, mas Estado, de facto. Ou, se o nome for particularmente incomodativo, digamos antes que o liberalismo não prescinde de uma organização política da sociedade, tão controlada quanto a própria sociedade for capaz de a controlar.
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