«A mulher decide, a sociedade respeita, o Estado garante». O tríptico, lamento, não é meu, é da campanha do «sim», e significa que o Estado português quer passar de perseguidor a tutor das mulheres que abortam. Do ponto de vista liberal, se nunca tive dúvidas em condenar um Estado que persegue criminalmente por razões que, em última análise, só podem ser de consciência individual, não fico mais confortável por saber que agora esse mesmo Estado quer transformar um «crime» num direito fundamental. O que está aqui em jogo não é exactamente um raciocínio «economicista» (termo muito em voga, que cai sempre bem?) de não aceitar que o SNS gaste dinheiro dos contribuintes senão com a saúde dos cidadãos quando ela está em causa, mas um conjunto de questões morais e éticas dificilmente transponíveis. A saber: que o Estado tem de ser neutro em matérias de consciência individual; que o Estado não deve tomar partido em matérias que dividam profundamente a sociedade; que o Estado não pode canalizar recursos dos cidadãos em despesas que paguem escolhas individuais não necessariamente obrigatórias e da sua completa responsabilidade; que os cidadãos para quem o aborto é moral e eticamente intolerável não podem ser impelidos a contribuir para o sustentar; porque, por fim, a decisão de abortar e a assumpção das consequências pessoais do acto, só pode ser individual e nunca da colectividade. De resto, ao aceitar que seja a colectividade, por via do Estado, a interferir em defesa de quem aborta, estamos a reconhecer o princípio de que essa é uma matéria a todo o tempo sindicável. Por isso, se, um dia, o Estado português voltar decidir o contrário, poderá legitimamente perseguir, condenar e prender quem o faz. É este tipo de raciocínios colectivistas, muito próprios da mentalidade socialista, que um liberal jamais poderá aceitar.
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