31 janeiro 2006

podem os liberais voar?

Ou porque estranho motivo nenhum «liberal praticante» consegue ser eleito para um governo nacional, como constata o Doutor Vasco Pulido Valente?
Pois não, Doutor VPV, pois não. Essa é uma verdade universal, tanto quanto estas possam existir, como os pássaros terem asas e as galinhas não terem dentes. Se bem que há uns passarocos pelas bandas da Nova Zelândia (os kiwi e os kakapos, pelo menos) a quem precisamente faltam quase por completo esses indispensáveis auxiliares de voo. Também, não lhes devem sentir a falta, porque não voam. Já quanto às galinhas, o terror que me infundem – um bicharoco desses vaza-nos um olho com uma imprevisível bicada - impede-me de lhes verificar os bicos, um por um. Logo e até prova em contrário, mantém-se a veracidade do postulado.
Quanto ao liberalismo, a coisa não anda, também, muito longe disto. Na verdade, o último espécimen político vagamente aparentado com o género liberal que por aí vi foi o dr. Frasquilho, que perdurou duas ou três semanas no departamento das Finanças do governo Barroso, donde saiu literalmente com as orelhas a arder, electrocutado com o seu famoso «choque fiscal».
Contudo, caro Doutor VPV, o liberalismo é, nos tempos que correm, mais uma pedagogia de reforço da liberdade individual, do que uma ideologia política ou, menos ainda, um programa eleitoral para consumo partidário. Contando com a bondade dos regimes democráticos, alguns liberais estão seriamente persuadidos de que se souberem convencer o eleitorado que no dia-a-dia o Estado os deve (e pode) incomodar menos, quem está no governo ver-se-á provavelmente obrigado a ceder algum do poder que detém, sob pena de perder eleições. Veja, o que sucedeu com o Presidente Bush, não o George W. que refere, mas com o paizinho e o seu célebre «read my lips». Ou o que teria acontecido com a nossa doméstica e indomável parelha composta pelos drs. Barroso e Ferreira Leite, não tivesse o primeiro rumado para outras paragens politicamente mais amenas. Por definição, um governo só liberaliza, isto é, só consente em perder poderes e abdicar de funções, se for forçado a isso: pela opinião pública, sob ameaça de ser derrotado em eleições; pelos credores externos, com o aviso prévio de falência (como sucedeu com o dr. Soares e o FMI); ou por medo do ridículo e pela força das evidências, como bem percebeu o dr. Cavaco no seu primeiro governo de maioria absoluta, quando assumiu a gerência de um Estado que era dono de tudo e que estava comicamente em plena integração comunitária.
Por fim e sobre a Srª Thatcher (de facto, assumo, um ícone destas coisas…), pouco acrescentaria ao que disse o André Azevedo Alves. Mas lembro-me de lhe ter lido, a si, há já muitos anos, um comentário sobre a misteriosa eleição do sr. John Major, em que sensatamente explicava que ele beneficiara ainda da «revolução» (ipsis verbis) que a sua antecessora promovera em Inglaterra. De facto, assim foi. A Srª Thatcher pegou num país socialista, dominado pelo funcionalismo público e pelas poderosas Trade Unions, e virou-o de alto a baixo. Deixou-o, sem dúvida, imensamente mais livre, desenvolvido e próspero do que o que encontrara quando chegou ao governo. As dificuldades que teve de assumir com os seus primeiros orçamentos (e que, não fossem a guerra das Falkland, provavelmente a fariam perder as eleições de 1983) serviram para promover reformas profundas no Estado e não para, como é uso por cá fazer-se, retocar as contas públicas, mantendo o despesismo. É uma pequena diferença que, não obstante a crónica ingenuidade política dos liberais, somos até capazes de entender.

3 comentários:

Anónimo disse...

Os liberais podem voar. Acontece porém que não só se entende liberalismo como exclusivamente um dogma económico, como também se espera da liberalização um projecto a curto prazo.

O falso (redutor será mais correcto) entendimento de liberalismo atravessa verticalmente a nossa sociedade e, atrevo-me a dizer, todos de nós os que sentem o seu apelo. Veja-se o problema do casamento. Será ideal separar o casamento do estado já? Amanhã? Para a semana?... ou será antes melhor criar as condições para uma sociedade aberta, mais plural, mais tolerante nas suas escolhas para então, aí sim, legislar uma última vez no sentido de nunca mais legislar?

Isso, entendo eu, liberalismo. Um projecto social, politico sem dúvida, e por consequência económico.

aL disse...

«liberalismo. Um projecto social, politico sem dúvida, e por consequência económico.» totalmente de acordo
agora, rui algumas questões «Por definição, um governo só liberaliza, isto é, só consente em perder poderes e abdicar de funções, se for forçado a isso: pela opinião pública, sob ameaça de ser derrotado em eleições», deverá o partido no poder optar por medidas populares, que sejam do agrado da maioria dos eleitores? quais as consequecias de tais acções?

Anónimo disse...

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