24 dezembro 2005

um conto de natal

Entre os doze e os trinta anos de idade, a vida de Jesus é desconhecida. Os quatro Evangelhos da Bíblia não se lhe referem, os Evangelhos gnósticos contam episódios pouco credíveis, e as lendas que O dão pela Índia, antes e depois da crucifixação, a aprender com Imãns e Gurus, ou na América do Norte, a transmitir sabedoria e divindade aos índios como pretendem os mórmons, não fazem parte da História séria e realmente documentada sobre Aquele que nasceu em Nazaré, com o epíteto de Rei dos Judeus e de Filho de Deus.
Contudo, alguma documentação recentemente descoberta, datada de época desconhecida, embora sendo certamente de idade muito remota, talvez até mesmo dos primeiros cinquenta anos do século I, quando os quatro Evangelhos terão sido escritos, dá-nos uma nova e curiosa perspectiva do que poderá ter sucedido...

Essa documentação tem início após o episódio do Templo de Jerusalém, tinha Jesus doze anos de idade, onde, segundo relata S. Lucas, terá maravilhado os doutores e mestres, dialogando com eles, interrogando-os e comentado o que lhe diziam.
Querendo aprender mais, com outras gentes e outros povos, depois de muito reflectir sobre onde poderia passar alguns anos da Sua juventude, alguém Lhe terá sussurrado que a Ocidente, na longínqua Hispânia, havia um Reino, ou melhor, uma pequena província, onde habitava um povo curioso, astuto, carrancudo e neurótico, capaz de operar prodígios inimagináveis e de realizar maravilhas sem fim. Fosse como fosse, disseram-Lhe, o que Ele aí veria não teria paralelo em parte alguma dos quatro cantos do mundo, por mais que os percorresse e por melhor que os viesse a conhecer.
Este argumento convenceu o Nazareno. Jovem ainda, aos catorze anos de idade, partiu rumo a tão longínquas paragens e depois de atravessar mares revoltos, terras inóspitas, desertos infindáveis, lá alcançou o lugar de que lhe tinham falado, um ano mais tarde, aos quinze de idade.

A primeira coisa que estranhou foi que, apesar de estarem sob jugo romano, aquela terra e as suas gentes pareciam estar atrasadas no tempo. Na verdade, embora não prezasse a ocupação romana da sua terra, ninguém podia ignorar que, na generalidade, a civilização dos Césares trouxera progresso e bem-estar às populações da Judeia. Aqui parecia que nada mudara: nem estradas seguras e sem buracos, nem pontes que não caíssem ou não estivessem em risco de cair, nem banhos públicos ou privados, nem, em suma, coisa nenhuma que de proveito se visse.

Rei dos Reis, quis de imediato falar com alguém em quem pudesse reconhecer alguma igualdade. Disseram-Lhe que, em Belém o encontraria, num palácio das mil-e-uma-noites, sem nada fazer, deitado em sedas, regado de bálsamos e coberto de honrarias. Se mais estranhou o nome do destino, mais bizarro ainda lhe pareceu o príncipe de ruivos cabelos que ocupava tal palácio, que em nada se aparentava com a raça da população sobre a qual reinava. Este, vendo-O chegar e sabendo de quem se tratava, disse-Lhe: «Ilustre visitante, muito me honra receber-Te nos meus modestos aposentos. Como sabes, isto não vai nada bem. Não há pecúnia que nos aguente, nem mal que nos não suceda. De qualquer maneira, ainda que te quisesse ser útil, nunca te poderia acomodar por muito tempo. No próximo mês, do ano próximo que aí vem, outro virá para o meu lugar, para este palácio e para as minhas funções. E, pelo que tenho visto, não me auguram nada de bom. Tenho pena que assim seja, porque, certamente, teríamos conversas muito estimulantes e lançaríamos grandes debates universais. Porém, já pouco mando nisto e, muito em breve, nem esse módico mandarei. Mas, se quiseres conhecer quem verdadeiramente governa a nossa província, deverás apresentar-Te ao governador local que, embora nomeado por mim e pelo povo, obedece verdadeiramente aos Césares de Bruxelas, de quem é simultaneamente servo e senhor.»

Posto a caminho do palácio do governador, o Nazareno cruzou-se com três ilustres príncipes que se dirigiam em cima de alguns camelos para o palácio de Belém. O primeiro, a larga distância de todos os outros, magro e hirto, mastigava vorazmente um bolo de passas, pinhões e frutas secas, e, parecendo satisfeito, não estava porém sorridente, nem falava com ninguém. Interpelado pelo Nazareno sobre se ia no caminho correcto, limitou-se a retorquir: «Eu sou um pacificador. Não estou aqui, senão para ajudar o governador a governar. De maneira, que deixo essa questão ao seu cuidado e não lhe respondo, nem devo responder». Os dois que o seguiam, já velhos e acabados, invectivavam-se reciprocamente e proferiam aleivosias e enormidades um contra o outro. Já distante, o Nazareno ainda conseguiu ouvir o mais velho dos dois a dizer ao outro: «vai ser à tua conta, meu ingrato, que sempre viveste à sombra da minha majestade, que o gajo que ali vai acabará por ganhar. E à primeira!». «Isso é o que se vai ver! A mim ninguém me cala!», retorquiu-lhe o outro, numa voz que era cada vez mais longínqua.

Chegado ao palácio do governador, este, cujo nome fazia lembrar o de um antigo mestre de Atenas, em breves segundos o recebeu. E disse-lhe: «És tu aquele a quem mandei retirar das paredes do colégio público? Se és, não tenho notícias boas a dar-te. Julgo que terás direitos de autor sobre a mais vendida das obras escritas de todos os tempos e, ao fim de tantos anos, séculos e milénios, nem um só tributo, um único dracma ou sestércio entrou nos cofres do meu Reino: nem IVA, nem IRS, nem coisa nenhuma. Por acaso saberás a gravidade da afronta que cometeste? Se fosse a ti, ia de imediato falar com o nosso Sumo Sacerdote, o Rabino que simultaneamente interpreta a Tora e a Lei dos homens, para ver se chegas a um acordo e não pioras ainda mais a tua situação».

Informado sobre a quem se dirigir, o Nazareno encontrou aquele a quem competia a encomenda das sentenças aplicadas sobre os homens daquela comunidade. Vendo-o jovem e estando com os óculos enevoados, o pontifex perguntou-lhe: «Ó meu rapaz? Fizeram-te algum mal? Acaso serás capaz de encontrar, neste álbum fotográfico, aqueles que te maltrataram? Vê bem que, nesta nova versão, até a minha cara lá está! Mais isento, não poderia ter sido!» Desfeito, porém, o equívoco, o Rabino constipado trouxe o Nazareno à porta do seu palácio, dele se despedindo com verdadeira amizade e ternura.

Por qualquer outro motivo que não nos relatam os documentos, Jesus viu-se alvo da justiça daquele Reino. O tempo foi passando e, objecto de um processo público, durante muito tempo ficou à espera e nada de verdadeiramente relevante ocorreu. Sucederam-se, porém, as maldicências e as calúnias entre os informadores do Reino, e algum tempo de recolhimento preventivo. Quando, ao fim de queixas, acusações, recursos, prazos, impugnações e prescrições, se sentiu livre para partir, regressou à Sua Terra. Tinha, nesse tempo, trinta anos de idade e, daí em diante até ao último dos seus dias, passou-os a pregar contra as injustiças do Mundo.

P.S.: Este pequeno «conto de Natal», não pretende ofender as convicções ou sentimentos mais intímos dos nossos leitores, sejam eles quais forem. Por esse motivo, salientamos que, à excepção de Jesus de Nazaré, todas as restantes personagens foram, obviamente, ficcionadas.

9 comentários:

Luís Aguiar-Conraria disse...

Bom Natal para ti e um 2006 que te realize

Gabriel Silva disse...

excelente. parabens e feliz natal

André Azevedo Alves disse...

Magnífico conto.

Anónimo disse...

Feliz Natal. :) Cumpts.

Helder Ferreira disse...

Muito bom. Bom Natal e 2006.

Anónimo disse...

E fica explicado porque é que Jesus demorou tanto tempo a começar a trabalhar.

Anónimo disse...

Caro Rui,
Se soubesse, tinha-te oferecido o meu bolo rei da Petúlia. Vai dai, foste para casa castigar as teclas do computador.
Um bom natal meu caro!
RAF

António Torres disse...

EHEHEHEHEHEHEHEHHEHEEE...........................................................................................................................

Anónimo disse...

Enjoyed a lot! » »