Parece que de há uns anos para cá, talvez com o virar do milénio, os portugueses descobriram, estupefactos, o país onde vivem e, como se ouve dizê-los, «o estado a que ele chegou».
De repente, o doce rectângulo onde não sucedia nem nada de muito grave, nem nada de extraordinário apoquentou-se com a sua pequenez, com a falta de identidade, a escassez de meios e recursos, a ausência de uma ideia de futuro.
E foi subitamente que tudo isto aconteceu.
Ainda no primeiro governo do Engº Guterres vivia-se na ilusão do bem-estar e da abundância, com que a Europa e os líderes talentosos da pátria, nos haviam prendado. Ao segundo governo do Engº, os portugueses começaram a sentir algum desconforto. Mas era mais pelo ânimo do líder, ou pela falta dele, do que propriamente por sinais evidentes de uma qualquer desgraça que viesse a caminho. Não dizia o nosso primeiro-ministro que, num país que enche as praias algarvias de gente feliz e gastadora, não pode haver crise nem recessão? Pois dizia e crentes como somos, intuímos que o que fazia falta era gente nova que pusesse isto no bom caminho. No caminho do costume.
As versões sobre o que, então, se seguiu são desencontradas. Há quem diga que tudo se precipitou com a saída de mais um primeiro-ministro, que estava a levar firme o barco a bom porto. Como há quem diga, também, que o homem desandou na primeira oportunidade, para posto e serviço que lhe davam mais segurança, a si e aos seus. E que, a partir daí, o melodrama seguiu os passos habituais: uma tragédia rocambolesca e patética, antes de um pesaroso final.
Infelizmente, os portugueses são gente de futuro que não gosta de olhar para trás. Se o fizessem, talvez compreendessem que «o estado a que isto chegou» não vem de agora. Ao longo de todo o último século, que fizemos nós para merecer outro destino? Vinte e cinco anos de inomináveis trapalhadas, que nos levaram à bancarrota, ao descrédito internacional e à absoluta desatenção para com os restos do Império que sobrara de um passado colonial desastrado e desolador. Depois, restabelecida a ordem doméstica por um autocrata, que durante quarenta anos de governo só atravessou a fronteira uma única vez, ficámos «orgulhosamente sós». O orgulho, um dos sete pecados capitais, fez-nos perder as últimas parcelas do Império de forma desonrosa e sem deixarmos sequer laços que nos permitissem ligações proveitosas. Viradas as costas ao passado colonial que nos envergonhava perante a «Europa civilizada», foi para ela que erguemos os olhos e rogámos as nossas preces. E o milagre sucedeu: mesmo depois da bandalheira do PREC, das nacionalizações e das planificações, entrámos no «clube dos ricos», e recebemos massa, muita massa para gastar. Agora que praticamente se chegou ao fundo do saco, olhamos para o país e nem uma ideia, um projecto, uma migalha de estratégia para o futuro, que não seja o grande desígnio nacional do défice e fazer uma linha de comboio que nos tire rapidamente daqui para chegarmos a Madrid em pouco mais de duas horas.
Ou seja: gastámos o que não era nosso, do que é nosso gastamos mais do que produzimos e continuamos a sustentar quem não trabalha e não quer trabalhar. Como permanecemos na ilusão de que o nosso «modelo social» (ou outro qualquer) é uma coisa etérea vinda do além, e não uma conta de mercearia com «deve» e «haver».
De facto, a única surpresa que pode ainda subsistir pelo «estado a que isto chegou», foi por ter chegado só agora. Ou, se calhar, por só agora nos termos apercebido disso
04 dezembro 2005
«o estado a que isto chegou»
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