O SNS e os limites da organização planificada
“O SNS português apresenta uma organização de tipo planificado, centralizado e administrado por comando e controlo, semelhante — do ponto de vista organizacional — aos sistemas de provisão pública característicos das economias socialistas clássicas.”
Esta afirmação provoca frequentemente desconforto, mas não por ser falsa: provoca-o por tocar num ponto estrutural raramente discutido com serenidade. Não se trata de um juízo político sobre a democracia portuguesa, nem de uma comparação histórica com a União Soviética enquanto regime. Trata-se, isso sim, de uma análise organizacional.
O Serviço Nacional de Saúde assenta num modelo em que os principais meios de produção são públicos, os profissionais são funcionários do Estado, o financiamento é feito por impostos e o acesso é tendencialmente gratuito no ponto de consumo. A coordenação do sistema faz-se de forma centralizada, através de normas administrativas, planos, orçamentos e hierarquias. Não existem preços como mecanismo regulador da procura e da oferta. Quando a procura excede a capacidade instalada — o que é regra, não exceção — surge o racionamento administrativo: listas de espera, critérios opacos de prioridade, adiamentos.
Neste tipo de organização, as queixas da população não são um acidente nem o resultado de incompetência pontual. São uma consequência lógica do modelo. Quando o utilizador não paga no momento do consumo, a procura tende a ser ilimitada. Quando o prestador não é avaliado pelo valor criado, mas pelo cumprimento de normas, os incentivos à eficiência e à inovação tornam-se fracos. Quando as decisões são tomadas longe do terreno, a adaptação às necessidades locais é lenta e imperfeita. E quando existe monopólio público, a responsabilização torna-se difusa, abrindo espaço à perceção — e por vezes à realidade — de desperdício e corrupção.
Nada disto se resolve com mais discursos sobre “subfinanciamento” ou com mudanças cosméticas de gestão. Pode mitigar-se o problema, mas não eliminá-lo. O conflito entre procura infinita e recursos finitos, num sistema gratuito e planificado, é estrutural.
A verdadeira solução exige uma mudança de paradigma. Não significa abdicar da solidariedade nem da cobertura universal. Significa repensar a forma como o sistema é organizado.
O modelo holandês é um exemplo frequentemente ignorado no debate português. Na Holanda, todos os cidadãos são obrigados a ter seguro de saúde, fornecido por entidades privadas fortemente reguladas. O Estado garante cobertura universal, subsidia quem não pode pagar e define o enquadramento. Mas a prestação de cuidados ocorre num ambiente concorrencial, com liberdade de escolha, preços transparentes e incentivos claros à eficiência e à qualidade.
O resultado é um sistema que oferece segurança social sem os espartilhos da planificação central. Menos filas, maior satisfação dos utentes e dos profissionais, e melhor adaptação à realidade.
Continuar a prometer que o SNS “funcionará melhor” mantendo o mesmo modelo organizacional é alimentar uma ilusão. Sistemas produzem os resultados para os quais foram desenhados. Se queremos resultados diferentes, temos de ter a coragem de mudar o desenho.
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